A rigidez do FMI
"Se os números não confirmam a teoria então é
porque os números estão errados". Esta ironia é em geral usada nos meios
académicos para reduzir ao absurdo a defesa de uma tese que se revela
manifestamente errada. Mas parece ter sido transformada em regra no caso
dos dados salariais desaparecidos na folha de cálculo que estava
incompleta. Era fundamental que o FMI passasse a respeitar a realidade e
procurasse outras razões para o desemprego em Portugal que não se
limitassem aos salários. Ou corremos o risco de levar bastante mais
tempo a ter menos desemprego.
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Para quem ainda não conhece o
caso, a história conta-se em poucas linhas. O jornalista Rui Peres Jorge
viu no relatório do FMI relativo à sétima avaliação um gráfico sobre a
evolução dos salários. E quis ter acesso aos dados que deram origem a
essa ilustração que nos dizia que apenas 7% dos trabalhadores inscritos
na Segurança Social tinham sofrido uma redução salarial em 2012. Quando
tem acesso aos números verifica que a folha de "Excel" enviada pelo FMI
continha erros. Tinham desaparecido quatro mil trabalhadores de uma
amostra que se dizia ter 18.600 pessoas.
A pergunta
seguinte é: qual terá sido a variação salarial dos trabalhadores
omitidos? É aí que se descobre que boa parte deles tinha tido cortes na
sua remuneração. Com estes dados conclui-se que, afinal, cerca de 20%
dos trabalhadores ganhou menos em 2012 do que em 2011 e não apenas 7%
como se dizia no relatório do Fundo.
A omissão
daqueles quatro mil trabalhadores deu da evolução dos salários um
retrato falso e fundamentou, pelo menos parcialmente, nova recomendação
de redução de salários no sector privado por parte do FMI. Uma
insistência que vem desde a assinatura do Memorando de Entendimento
(traduzida na política da desvalorização interna e na medida de redução
da TSU suportada pelos empregadores).
O raciocínio
do Fundo é muito simples. Usando a ferramenta mais popular entre
economistas, que é a lei da oferta e da procura, conclui-se que o
emprego diminui porque o salário (o preço) não baixa. E daqui conclui-se
que se os salários baixassem o desemprego diminuiria ou, pelo menos,
não aumentava tanto. Ou seja, as empresas não despediriam tantas pessoas
ou, no limite, algumas não teriam de falir, uma vez que poderiam
praticar preços mais baixos.
Ninguém sabe
exactamente como nem porque desapareceram quatro mil trabalhadores da
amostra dos salários e porque foram, na sua maioria, casos de reduções
de salários. Pode ter sido um erro, uma tentativa (mal sucedida) de
correcção de observações irregulares (’outliers’). Esperar-se-ia uma
explicação convincente, segura. Mas nada disso aconteceu. O FMI
revelou-se desorientado numa primeira fase, como se tivessem perdido a
sua principal prova para a necessidade de redução dos salários, com
intervenção do Estado, no sector privado.
Um
economista de mente aberta, colocado perante a observação de redução dos
salários por efeito das forças do mercado, ficaria, não se pode dizer
satisfeito, mas animado pela flexibilidade da economia. Um país que se
adapta é capaz de ultrapassar as suas dificuldades mais rapidamente. Mas
parece ter acontecido o contrário.
O FMI parece
mais preocupado em salvar a sua face, em defender as suas receitas do
que em compreender o que realmente se está a passar na economia
portuguesa, no que efectivamente pode ser feito para combater o
desemprego. A rigidez parece existir mais no FMI do que na economia
portuguesa.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
28/08/13
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