O declínio da ciência
Nos últimos dias, enquanto participava numa
comissão de avaliação de projectos de investigação científica na
Alemanha, num ambiente de relativa satisfação e desafogo financeiro, fui
acompanhando as contrastantes manifestações públicas de desalento por
parte de investigadores espanhóis, em especial a atitude de uma
cientista espanhola, que decidiu entregar ao primeiro-ministro Mariano
Rajoy, de forma simbólica, todos os certificados que atestam a sua longa
e sólida formação científica, anunciando a intenção de abandonar
Espanha, e de continuar a sua carreira científica e académica nos
Estados Unidos da América. “Cuando emigre, próximamente, la ciencia que
yo haga ya no será española, ni será gracias a España; seguiré haciendo
ciencia a pesar de España” dizia esta investigadora, notoriamente
desapontada com as opções políticas do actual governo espanhol, a quem
acusa de ter condenado a ciência espanhola a um retrocesso
incompreensível e lamentável.
.
.
Quem acompanha a ciência
internacional e a sua evolução nas últimas décadas não pode deixar de
reconhecer a pujança e a qualidade que a ciência espanhola alcançou nos
anos mais recentes. O agora vaticinado retrocesso terá um grande impacto
na produtividade científica deste país, e conduzirá a um inevitável
êxodo de investigadores altamente qualificados, jovens e seniores, para
outros países, não necessariamente europeus.
A partir de
Portugal, vamos observando com tristeza e apreensão esta tendência
negativa, perspectiva que em grande medida partilhamos. Ainda assim,
mantemos alguma confiança nas instituições nacionais, a quem
reconhecemos o esforço de procurar assegurar a credibilidade suficiente
para acalentar a aposta na ciência. Mas percebemos que a incerteza é
grande, e as expectativas de uma mudança favorável nos próximos anos são
claramente nulas. Apesar deste cenário desanimador, os investigadores
portugueses não estão dispostos a perder a capacidade competitiva
internacional; bem pelo contrário. A ciência nacional tem mantido e quer
manter uma tendência globalmente positiva, pelo que importa garantir a
estabilidade e o financiamento que permitam a competitividade e o
progresso da ciência nacional.
Dito isto, não escondo a
perplexidade com que soube de mais um corte previsto no orçamento das
universidades portuguesas. Mais uma vez, uma decisão absurda e injusta,
que coloca o ónus sobre instituições que têm revelado uma gestão
eficiente do financiamento público, respeitando os orçamentos, e
garantindo um ensino que tem sido consistentemente melhor avaliado nos
indicadores e avaliações internacionais. Esta decisão, será naturalmente
muito penalizadora da actividade científica que em Portugal se
desenvolve em grande medida nas universidades. A acontecer,
inviabilizará o funcionamento adequado das instituições, e desmotivará
ainda mais um grupo de profissionais submetidos a escrutínios cada vez
mais exigentes, e que, para além de desenvolverem o trabalho que lhes
compete – no ensino e na actividade de investigação –, têm ainda a
responsabilidade de manter vivas as expectativas dos jovens que buscam o
seu percurso profissional na ciência.
Estes jovens
investigadores, estão motivados pela vontade de contribuir para o
progresso do seu país, mas é cada vez mais difícil acalentar o sonho que
os conduziu à ciência, porque o desânimo é crescente e está instalado
na comunidade universitária. Fragilizar ou inviabilizar o funcionamento
das universidades portuguesas, situação que decorrerá inevitavelmente
desta nova proposta de orçamento, concorrerá para o declínio da ciência
nacional, e é sobretudo um forte contributo para o retrocesso de
Portugal.
IN "PÚBLICO"
29/08/13
.
Sem comentários:
Enviar um comentário