05/09/2013

BRUNO FARIA LOPES

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O problema político 
de baixar os salários 
mais baixos

Até há pouco tempo o Governo português mostrava ter comprado o argumento da troika de que é preciso baixar o custo do trabalho em Portugal.

Para quem defende a desvalorização interna - e todos os que querem Portugal no euro não podem fugir destas duas palavras: desvalorização interna - a descida de salários é um dos pilares da política. O Governo, aliás, nem precisaria de comprar o argumento: o desemprego recorde faz com que a pressão sobre os salários, embora lenta, seja tão inevitável como a força da gravidade. Mas eis que, perante nova investida do FMI no sentido de baixar salários, o Governo resiste ferozmente - em Junho fê-lo nos bastidores, com fugas de informação para a imprensa; agora, fá-lo publicamente. Para entendermos o porquê desta resistência temos que perceber onde o FMI quer que o Governo pressione: os salários mais baixos.

Quando, no início do ano, o Fundo pediu dados ao Governo o objectivo não era olhar para a percentagem de contratos cujo salário tinha sido reduzido. A ideia dos técnicos do Fundo era confirmar o que tinham visto numa apresentação feita na Gulbenkian, em Dezembro do ano passado, pelo economista Pedro Portugal (com base em dados do Governo): que 45% dos trabalhadores por conta de outrem no privado tiveram o salário estagnado em 2012, um número que deverá subir para 60% este ano. É certo que mudanças no salário base não captam todas as modalidades de redução salarial - nos suplementos, nos pagamentos "por fora", etc. - mas, mesmo assim, tanto para o FMI, como para alguns economistas do trabalho, 60% é uma anormalidade estatística. É, para eles, um sinal claro de rigidez salarial.

A rigidez parece ser menor nos salários dos trabalhadores mais qualificados, o que não deve ser uma surpresa: é mais comum que nestes casos a remuneração inclua suplementos, mais fáceis de cortar pelo empregador. Estes casos serão uma parte importante do número de contratos com reduções salariais globais que, segundo dados do ex-secretário de Estado do Emprego, Pedro Martins, ascendem a 15% do total por conta de outrem no privado. Onde a rigidez parece ser maior é, então, nos trabalhadores com salário efectivo igual ao base - e estas são as pessoas com menos qualificações, remunerações mais baixas e maior vulnerabilidade ao desemprego.

O FMI está a pressionar, então, um conjunto de medidas destinado a atacar o que entende ser a rigidez de salários de 500 ou 600 euros de quem trabalha por conta de outrem no privado, com o argumento de melhorar a competitividade e de combater o desemprego muito concentrado neste segmento. (A pressão estende-se também ao sector público onde, de acordo com um estudo do Banco de Portugal, os prémios salariais face ao privado são maiores precisamente nas funções menos qualificadas.) Quem corta salários são os empregadores no privado, mas o FMI sabe que o Governo pode fazer muito para lhes facilitar a vida: baixar o salário mínimo, introduzir um salário mínimo abaixo de 485 euros para jovens, mexer na protecção legal conferida ao salário base, baixar os salários mais baixos no Estado, entre outras medidas.

O problema é que nenhum Governo quer ser visto a atacar assumidamente salários de 500 euros, nem este Governo que cumpre com fé uma política de desvalorização interna. Acredito que haja no Executivo quem se preocupe com a dimensão moral evidente do problema, mas o ponto é sobretudo de sobrevivência política. Afinal, o Governo sabe que o desemprego pressiona lentamente os salários baixos, mas prefere essa lentidão a uma rapidez assente em medidas politicamente inviáveis no Portugal de 2013. Espantoso é que os técnicos do FMI - que foram os primeiros a alertar, em 2012, para o risco social e político no país - não vejam os limites políticos à desvalorização salarial imposta pelo euro.

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
02/09/13

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