O problema político
de baixar os salários
mais baixos
Até há pouco tempo o Governo português mostrava ter comprado o argumento da troika de que é preciso baixar o custo do trabalho em Portugal.
Para quem defende a desvalorização interna - e
todos os que querem Portugal no euro não podem fugir destas duas
palavras: desvalorização interna - a descida de salários é um dos
pilares da política. O Governo, aliás, nem precisaria de comprar o
argumento: o desemprego recorde faz com que a pressão sobre os salários,
embora lenta, seja tão inevitável como a força da gravidade. Mas eis
que, perante nova investida do FMI no sentido de baixar salários, o
Governo resiste ferozmente - em Junho fê-lo nos bastidores, com fugas de
informação para a imprensa; agora, fá-lo publicamente. Para entendermos
o porquê desta resistência temos que perceber onde o FMI quer que o
Governo pressione: os salários mais baixos.
Quando, no início do ano, o Fundo pediu dados ao Governo o objectivo
não era olhar para a percentagem de contratos cujo salário tinha sido
reduzido. A ideia dos técnicos do Fundo era confirmar o que tinham visto
numa apresentação feita na Gulbenkian, em Dezembro do ano passado, pelo
economista Pedro Portugal (com base em dados do Governo): que 45% dos
trabalhadores por conta de outrem no privado tiveram o salário estagnado
em 2012, um número que deverá subir para 60% este ano. É certo que
mudanças no salário base não captam todas as modalidades de redução
salarial - nos suplementos, nos pagamentos "por fora", etc. - mas, mesmo
assim, tanto para o FMI, como para alguns economistas do trabalho, 60% é
uma anormalidade estatística. É, para eles, um sinal claro de rigidez
salarial.
A rigidez parece ser menor nos salários dos trabalhadores mais
qualificados, o que não deve ser uma surpresa: é mais comum que nestes
casos a remuneração inclua suplementos, mais fáceis de cortar pelo
empregador. Estes casos serão uma parte importante do número de
contratos com reduções salariais globais que, segundo dados do
ex-secretário de Estado do Emprego, Pedro Martins, ascendem a 15% do
total por conta de outrem no privado. Onde a rigidez parece ser maior é,
então, nos trabalhadores com salário efectivo igual ao base - e estas
são as pessoas com menos qualificações, remunerações mais baixas e maior
vulnerabilidade ao desemprego.
O FMI está a pressionar, então, um conjunto de medidas destinado a
atacar o que entende ser a rigidez de salários de 500 ou 600 euros de
quem trabalha por conta de outrem no privado, com o argumento de
melhorar a competitividade e de combater o desemprego muito concentrado
neste segmento. (A pressão estende-se também ao sector público onde, de
acordo com um estudo do Banco de Portugal, os prémios salariais face ao
privado são maiores precisamente nas funções menos qualificadas.) Quem
corta salários são os empregadores no privado, mas o FMI sabe que o
Governo pode fazer muito para lhes facilitar a vida: baixar o salário
mínimo, introduzir um salário mínimo abaixo de 485 euros para jovens,
mexer na protecção legal conferida ao salário base, baixar os salários
mais baixos no Estado, entre outras medidas.
O problema é que nenhum Governo quer ser visto a atacar assumidamente
salários de 500 euros, nem este Governo que cumpre com fé uma política
de desvalorização interna. Acredito que haja no Executivo quem se
preocupe com a dimensão moral evidente do problema, mas o ponto é
sobretudo de sobrevivência política. Afinal, o Governo sabe que o
desemprego pressiona lentamente os salários baixos, mas prefere essa
lentidão a uma rapidez assente em medidas politicamente inviáveis no
Portugal de 2013. Espantoso é que os técnicos do FMI - que foram os
primeiros a alertar, em 2012, para o risco social e político no país -
não vejam os limites políticos à desvalorização salarial imposta pelo
euro.
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
02/09/13
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