O 'mènage a trois' de Cavaco
Cavaco sugeriu um mediador de reconhecido prestígio. Há uma figura com essa autoridade: um Presidente da República. Talvez por isso se tenha falado de Eanes...
Três partidos, um desejo. Este podia ser o título do filme que Cavaco
Silva realizou, com a sua hermética declaração de 10 de julho. O
Presidente da República, em vez de convocar eleições enquanto é tempo -
ou seja, enquanto nos abrigamos sob o guarda-chuva da assistência
financeira - guarda-as para 2014, já após a saída da troika, e quando já
estivermos entregues aos bichos... perdão, aos mercados. Ou, em vez de
aceitar a solução de Governo que Pedro Passos Coelho lhe apresentou,
prefere a solução impossível de um acordo entre PSD, PS e CDS. O
improvável mènage a trois. E tudo porque Paulo Portas como súper
vice-primeiro-ministro, "só por cima do meu cadáver".
Impossível, disse José Sócrates, na sua intervenção dominical na RTP.
A palavra do novo patriarca do PS pesa como chumbo. Encolhido, António
José Seguro responde com uma obediente votação favorável à moção de
censura dos Verdes, ao mesmo tempo que finge negociar com o Governo,
isto é, como diz Carlos Zorrinho, "com todos os partidos". Mas, para o
Presidente da República, um segundo resgate é mesmo inevitável, com ou
sem eleições. Já agora, assim como assim, mais vale lavar as mãos e
atribuir o odioso desse destino à irresponsabilidade dos partidos que,
esquecidos do "interesse nacional", não souberam entender-se. Safa!
O Governo quis enforcar-se e, já com a corda ao pescoço,
arrependeu-se. Quando esperava que o Presidente cortasse a corda, Cavaco
deu um pontapé na cadeira em que o enforcado apoiava os pés. Mas há um
mas: ou o PR engole as suas palavras, volta à primeira forma, e aceita a
solução de Passos Coelho, ou... engole as suas palavras e convoca,
mesmo, eleições. Mas se era para dissolver a Assembleia da República,
porque não fez isso logo? Bem, o "antipolítico" Cavaco, o "simples
professor", marca a sua diferença face aos "políticos profissionais".
Ele fez tudo o que estava ao seu alcance...
Mas suponhamos que os partidos, contra todas as previsões, se
entendem, mesmo, num "compromisso de salvação nacional". Nesse caso,
porque não se cumpre a legislatura por inteiro, até 2015, em vez de a
interromper para o ano? E se, como deseja Cavaco, o compromisso é para
continuar após as eleições, para quê incomodar os portugueses,
chamando-os às urnas? Mais. O argumento de Cavaco para não convocar
eleições, agora, baseia-se no facto de só termos Orçamento, "na melhor
das hipóteses", em março de 2014. Ora, que virtudes há na convocação de
eleições no outono de 2014? Já nos mercados, e sem a "proteção" da
troika, só teremos OE, na melhor das hipóteses, em março de 2015, não é?
Não faz sentido. E qual o primeiro-ministro que aceita, agora, ser uma
espécie de Maria de Lurdes Pintasilgo de Cavaco, até junho do próximo
ano?
Cereja no topo do bolo: o PR sugeriu um mediador de "reconhecido
prestígio" para pôr os partidos de acordo. Só estou a pensar numa figura
com essa autoridade: um Presidente da República. Talvez por isso se
tenha falado tanto de... Ramalho Eanes.
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