Mensagens e mensageiros
François Hollande não inovou. Em abono da verdade,
foi obediente à melhor tradição gaulesa quando, na primeira ocasião que
se lhe apresentou, mandou a Comissão Europeia às urtigas.
Depois de apelar a um "verdadeiro
governo económico", a uma "agenda europeia para o crescimento", até
mesmo a um "New Deal" para a Europa combater o desemprego entre os
jovens, o presidente francês disse alto e em bom som que não cabe à
Comissão "ditar" à França o que tem de fazer para reformar a sua
economia e equilibrar as contas públicas. Ou seja, que as regras votadas
(também) pela França para dar a Bruxelas poderes reforçados na
coordenação das políticas económicas continuarão a não valer quando em
Paris se pressentir que beliscam a sua soberania. Hollande lembrou isso à
Comissão, na véspera de entrar em vigor mais um pacote legislativo (o "Two Pack") precisamente
destinado a fornecer a Bruxelas uma capacidade de intervenção mais
robusta e precoce na elaboração dos Orçamentos dos países do euro.
Hollande não terá chegado a prestar um mau serviço à
França. Um país em recessão, com uma taxa de desemprego de 11%, a
segunda maior carga fiscal da Europa, um défice orçamental e externo
ainda próximo de 4% e uma dívida pública a caminhar a passos largos para
os 100% do PIB tem de fazer reformas – e o presidente francês fez
questão de o dizer na mesma frase em que tentou tirar o tapete à
Comissão.
Mas não terá prestado um bom serviço à
Europa, e por essa via, a Portugal. Ao desmoralizar o "polícia",
Hollande não ajudou a credibilizar as novas regras do Pacto de
Estabilidade, e terá tornado ainda mais distante uma união orçamental e
um qualquer expediente de mutualização de dívida, sem o qual
dificilmente o euro sobreviverá no formato actual.
E forneceu seguramente argumentos redobrados aos que, em Berlim
- e não só -, suspeitam que jamais a França fará as reformas que os
franceses sabem indispensáveis apenas pela "pressão dos pares". Será
necessária também a pressão dos mercados, que continuam a oferecer
condições fantásticas de financiamento ao Estado e à economia francesa (as taxas de juro cobradas às empresas, em particular às PME, são em França as mais baixas da UE).
A França arrisca-se, assim, a perder a segunda oportunidade que
não foi dada aos pequenos países da periferia de se ajustar às
dinâmicas do envelhecimento e da globalização sem ter a corda ao
pescoço. E é pouco provável que o euro sobreviva a um segundo abalo, com
epicentro no centro.
A reacção de Hollande poderá, no entanto, ter sido condicionada não tanto pela mensagem - as recomendações da Comissão encaixam-se
perfeitamente nas orientações do Governo - mas pelos mensageiros. Boa
parte da imprensa não fugiu à tentação dos títulos provocatórios
("Comissão ordena Paris" para no dia seguinte noticiar que "Paris
encosta Bruxelas às cordas") e fez interpretações muito próprias do que é
recomendado pela Comissão e, mais ainda, do resultado da receita. O
correspondente do "El País", por exemplo, escrevia que Bruxelas tinha
prescrito à economia gaulesa "um programa neoliberal em toda a linha que
se for aplicado ao pormenor acabará com boa parte do Estado social em
apenas 18 meses"... Resta, por isso, a dúvida: terá Hollande mandado
Bruxelas às malvas ou também a quem lhe trouxe a mensagem?
*Redactora Principal
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
06/06/13
.
Sem comentários:
Enviar um comentário