HOJE NO
" DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
Grande Investigação DN
Milhares de amostras destruídas
por falta de dinheiro
Os laboratórios de referência constituem uma das maiores brechas do
longo percurso de controlo da cadeia alimentar. A Comissão Europeia já
ameaçou o País com pesadas multas. Portugal tem gasto dinheiro na
recolha de amostras, mas nem sempre a sua análise é feita e, por vezes,
quando o resultado chega, já o produto foi consumido.
A história repete-se desde 2006:
Portugal não consegue cumprir o Plano Nacional de Controlo Plurianual
Integrado, que engloba os 36 planos de segurança alimentar, imposto pela
Comunidade Europeia, devido a dificuldades financeiras que afetam
sobretudo os laboratórios de referência. Anualmente, milhares de
amostras de alimentos recolhidas no âmbito dos planos nacionais de
controlo de resíduos e de pesticidas acabam por ser destruídas porque
não há resposta dos laboratórios. Isso mesmo foi verificado pelo DN em
documentos oficiais a que teve acesso e confirmado pelo secretário de
Estado da Alimentação e Investigação Agroalimentar, Nuno Vieira e Brito.
Mas o governante garantiu ao DN, na entrevista publicada ontem, no
arranque da Grande Investigação sobre segurança alimentar, que este ano
todos serão integralmente cumpridos.
Outra situação preocupante
nesta área essencial para o controlo e prevenção de problemas de origem
alimentar é o longo tempo que separa a recolha da amostra e a obtenção
do resultado das análises. O atraso chega quase aos dois anos em alguns
casos, o que significa que mesmo que seja detetado qualquer problema, já
o produto em causa desapareceu das prateleiras das lojas.
Estas
situações têm sido alvo de fortes críticas por parte do Serviço
Alimentar e Veterinário (Food and Veterinary Office, na designação
inglesa), a entidade fiscalizadora da segurança alimentar da Comissão
Europeia, que anualmente realiza várias auditorias nos países da União
Europeia.
Portugal já foi mesmo ameaçado da aplicação de multas
pelo incumprimento na análise das amostras. Ainda no ano passado, o
atual secretário de Estado, Nuno Vieira e Brito, então diretor-geral da
Alimentação e Veterinária (DGAV), teve de enviar para um laboratório de
Inglaterra grande parte das cerca de oito mil amostras do Plano Nacional
de Controlo de Resíduos (PNCR). Foi a solução encontrada para evitar
que Portugal pagasse uma pesada multa e uma repreensão que poderia ter
custos económicos elevados.
Isto porque, apesar das recomendações
feitas em auditorias realizadas em 2003 e 2008 pelo Serviço Alimentar e
Veterinário (SAV), em 2012 alguns dos problemas apontados continuavam
sem resolução. E o mais recente relatório da entidade europeia, de
fevereiro deste ano, assinala que "face aos sucessivos atrasos dos
laboratórios portugueses em desenvolveram os métodos acreditados e
validados para responder ao requisitos comunitários em várias áreas,
existe a necessidade de implementação de uma estratégia global para os
laboratórios que racionalize os recursos dentro de um período de tempo
bem definido".
COM CAVALITO |
Fonte oficial do Serviço Alimentar e Veterinário da
Comissão Europeia afirmou ao DN que "as autoridades portuguesas
competentes asseguraram a resolução das deficiências apontadas pelas
auditorias".
O que não foi feito
Um
documento ao qual o DN teve acesso mostra que a 11 de maio de 2007 foi
decidido "proceder à destruição das 900 amostras referentes ao PNCR de
2006". Uma decisão tomada por unanimidade pela Direção-Geral de
Veterinária, a ASAE e o Laboratório Nacional de Investigação Veterinária
(LNIV), atual INIAV (Instituto Nacional de Investigação Agrária e
Veterinária).
Uma realidade que não surge referenciada no
relatório de resultados do PNCR de 2006. Logo à partida, este relatório
mostra que ficaram por recolher 975 amostras das 7666 planeadas, ou
seja, 12,7% do plano não tinha sido executado. Um valor que aumenta para
quase 25% depois de se juntar as 924 amostras que foi decidido
destruir. No entanto, o documento não faz qualquer referência ao facto
de terem ficado por analisar as referidas amostras.
Mas este não
foi caso único. Em 2009, mais precisamente a 4 de dezembro, o
diretor-geral de Veterinária, ao LNIV, reconhece novo incumprimento
deste importante plano: "No âmbito do Plano Nacional de Controlo de
Resíduos de 2008, verificou-se a impossibilidade do Laboratório Nacional
de Investigação Veterinária realizar algumas determinações analíticas
por motivos vários." Por isso, "atendendo à sua inutilidade na medida em
que os resultados do PNCR já foram dados como concluídos e apresentados
à Comissão Europeia, foi determinada a destruição das amostras em
stock".
Desta vez, o universo chega às 924 amostras e este
incumprimento torna a ser omitido no relatório apresentado em Bruxelas. O
documento indica a recolha de 8467 amostras, mais 828 do que as
planeadas, mas regista que todas foram analisadas: 8430 com resultados
negativos e 37 positivos, perfazendo as 8467 recolhidas.
Só no
relatório dos resultados do PNCR de 2011, surge pela primeira vez o
reconhecimento por parte de Portugal que das 7809 amostras recolhidas
pela ASAE e pela então DGV, agora DGAV, 2200 ficaram por analisar. E,
segundo confirmou ao DN Nuno Vieira e Brito, a situação em 2012 corria o
risco de seguir caminho semelhante. O plano foi iniciado apenas em
agosto e, para assegurar o seu cumprimento, Portugal teve de recorrer a
um laboratório inglês, o LGC Science & Technology.
NÃO É BACALHAU, É CARACOL |
Mas os
problemas não existem apenas neste plano - um dos 36 referenciados no
Plano Nacional de Controlo Plurianual Integrado de 2009-2011, o último
disponível, sendo que, segundo fonte oficial do Ministério da
Agricultura, o próximo está a ser ultimado. No Plano de Controlo de
Pesticidas, também têm surgido vários incumprimentos. No ano passado,
não foi executado, apesar de algumas amostras terem sido recolhidas. E
no relatório referente a 2011 são apontadas algumas falhas, apesar de
também assinalar o acréscimo de amostras relativamente ao ano anterior
(mais 116, para um total de 865), com uma taxa de cumprimento do
programa de 88,9%.
"Lamenta-se, tal como nos anos anteriores, o
facto de o programa não ter sido executado na totalidade por limitações
técnicas, que incluem a não disponibilidade de equipamento apropriado
para a determinação de alguns pesticidas e pela falta de recursos
humanos em alguns laboratórios da rede nacional. Também se verificaram
dificuldades por parte da ASAE na colheita de algumas amostras."
Quanto
ao seguimento dado às infrações detetadas (em 24 das 865 amostras), "a
eficácia destas ações poderá ter sido limitada pelos tempos entre a
receção das amostras e a obtenção pelo laboratório do resultado da
análise pelo LRP. Em consequência das falhas, sobretudo de equipamentos e
de recursos humanos, ocorreram elevados tempos de resposta no
Laboratório Nacional de Referência (LRP em Oeiras).
O relatório de
uma auditoria europeia realizada no final de 2011 a este plano,
juntamente com o de resíduos de medicamentos veterinários, assinala a
discrepância de informações prestadas pela então DGV e a análise dos
dados: "De acordo com a DGV, o Plano de Controlo de Resíduos de 2010 foi
completamente aplicado. Porém, a análise dos dados revelou que tal não
era o caso."
A diretora de serviços do Departamento de Riscos
Alimentares e Laboratórios da ASAE, Graça Mariano, confirmou ao DN que a
entidade que representa fez a recolha de amostras, mas não esclareceu
qual o destino dado às mesmas: "A ASAE faz apenas a colheita das
amostras de acordo com o plano que nos é remetido anualmente. As
análises são feitas em laboratórios do Ministério da Agricultura."
Efeitos na saúde pública
O
presidente da Associação Portuguesa de Médicos de Saúde Pública admite
que -independentemente do plano ser plenamente cumprido - existe algum
risco para a saúde publica associado à questão dos pesticidas, uma vez
que o controlo é "muito complexo". Mário Jorge Santos explica que as
análises que são feitas "podem não contemplar muitos pesticidas porque
não estão homolgados pelo Ministério da Agricultura. Há dezenas de
produtos dessa natureza que surgem e que, muitas vezes, não são
analisados."
O especialista em saúde pública identifica ainda como
problema "a aliteracia de alguns agricultores que não sabem utilizar os
pesticidas: ou utilizam em alturas indevidas ou em quantidades
elevadas, que podem ser prejudiciais para a saúde pública".
* Um governo permissivo, obcecado com as receitas fiscais, permite que gente sem escrúpulos nos envenene, ainda falam da greve dos professores...
.
Sem comentários:
Enviar um comentário