O "sucesso" e o Dia da Europa
1
O sucesso da operação de colocação de dívida pública portuguesa de
longo prazo (dez anos) é uma boa notícia. A breve prazo poderemos
conseguir reunir todas as condições para nos situarmos debaixo do chapéu
protetor do programa de dívida do Banco Central Europeu, tanto mais que
há indicações de que a dívida nacional interessou desta vez
investidores tradicionais e não apenas os especuladores que incomodaram
as instituições da troika (FMI, BCE e Comissão Europeia) quando da
operação anterior (a cinco anos), realizada também já este ano.Esta
operação é a parte positiva de um mau programa, o do Governo, que tem
arruinado a economia portuguesa e ampliado o número de desempregados -
auditado também esta semana pelo INE - para uma dimensão ainda há pouco
tempo absolutamente impensável: 952 mil, que já nem sequer contam os que
desistiram de procurar emprego ou, simplesmente, seguiram o conselho de
Pedro Passos Coelho e emigraram. Ou seja, já estamos seguramente para
além do milhão. E reforçámos a diáspora...
2
Voltando à colocação de dívida: o grande sucesso de que fala Vítor
Gaspar, pago com o esforço de todo um país, custa-nos uma taxa de juro
de 5,65% ano. Obviamente melhor do que nos tempos que nos levaram para
os braços da troika. Um preço ainda exorbitante se considerarmos as
reais possibilidades da nossa economia. E aqui está a grande questão que
se coloca na precisa semana em que se comemorou o Dia da Europa: o
preço do dinheiro, que talvez não possa nunca ser igual para todos neste
mesmo espaço - admitamo-lo -, é demasiado desigual neste momento. Este
empréstimo, de três mil milhões, se tivesse sido concedido à Holanda ou à
Alemanha, custaria, no mesmo período de dez anos, menos mil milhões em
juros. Talvez até mais. Pode dizer-se: mérito da economia desses países,
dos seus líderes, dos seus cidadãos. Com certeza. Mas quer isto dizer
também, em plena crise de 2013, que o grande espaço de convergência,
social e económica, a cujo ideal muita gente na Europa aderiu, tarda em
cumprir a sua vocação fundadora. A crise está a destapar a incapacidade
dirigente e a comprometer o futuro da União Europeia. Por isso, a união
bancária anda a passo de caracol e a mutualização da dívida dos 17, seja
ou não através das eurobonds (que nos podiam e deviam dar outros
juros), ainda não se descortinam.
3 Além da
dialética Norte-Sul, temperada por egoísmos evidentes, cresce o
ceticismo quanto ao futuro da União e da sua moeda. A Grã-Bretanha, por
exemplo, é um excelente laboratório onde se podem estudar os perigos do
futuro, que para Portugal são cada vez mais evidentes. Basta ver o que
diz David Cameron, muito pressionado por fenómenos em pleno crescimento
na política britânica. A curto prazo ver-se-á também o que dizem os
britânicos em referendo.Se todos os nossos grandes sucessos de
financiamento no pós-troika custarem sempre um preço mais elevado do que
o dos países que têm maior capacidade económica, as desigualdades no
espaço europeu irão acentuar-se. No final da linha estará a desagregação
política e monetária, cada vez mais discutida, até em Portugal, e uma
explosão social perigosa. Quando algumas pessoas em Portugal celebram
esta colocação de dívida quase como um ponto de chegada, convém perceber
que ainda está muito por fazer. Quase tudo. E que um governo português,
seja ele qual for, tem pela frente um trabalho que não pode dispensar a
vertente de uma presença mais reivindicativa em todos os fóruns
europeus.
No lançamento do seu livro As raízes do Mal, a
Troika e o Futuro, o deputado Miguel Frasquilho, do PSD, afirmou que tem
"muitas dúvidas" de que "os países que estão com dificuldades e sob
programas de ajustamento" estejam "a ser ajudados da melhor forma" e
pediu condições mais "realistas". Passos Coelho, na plateia, ouviu.
Poiares Maduro, na véspera, na Itália, dissera coisas evidentes,
simples, que o Governo durante demasiado tempo não era capaz de ousar
sequer pensar. Pode ser que sim, que o "sucesso" de Gaspar não limite,
nesta segunda fase, todo o pensamento do Executivo. Oxalá.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
11/05/13
.
Sem comentários:
Enviar um comentário