O Interior é muito bonito, pá!
O presidente da Câmara de Mondim de Basto recebeu, há dias, um
telefonema de um presidente de junta daquele concelho do distrito de
Vila Real a pedir-lhe ajuda (isto é: dinheiro)para aumentar o cemitério
da sua freguesia. Humberto Cerqueira (PS) ouviu o autarca e, finda a
chamada, pensou: "Ando a vender escolas para alargar cemitérios".
Esta
frase, dita num encontro promovido pelo JN com os presidentes de Câmara
de Vila Real, diz mais sobre o estado em que se encontra o Interior do
país do que mil estudos académicos polvilhados com belos modelos
económicos e sociológicos a sustentarem previsões e a apontarem
soluções. Sim, porque, como diria na mesma sessão de trabalhos o
presidente da Câmara de Boticas, Fernando Campos (PSD), "de estudos
estamos todos fartos. O que falta é uma estratégia".
Ora, nem de
propósito, o secretário-geral do PS disse ontem coisas (isso mesmo:
coisas) sobre o que deve ser feito para resgatar o Interior. António
José Seguro acha que o Interior do país tem "muitas potencialidades" e
que elas devem ser aproveitadas para assegurar uma "vida melhor" aos
portugueses.
"É fundamental que se perceba que o interior tem
futuro, tem ótimas condições, tem muitas potencialidades, tem uma
qualidade de vida magnífica, tem espaço, tem rendas de casa muito mais
baixas, tem mesmo muitas possibilidades que, se forem rentabilizadas e
vistas como oportunidades, criam condições para que os portugueses
possam ter uma vida melhor", disse o líder socialista no Sabugal,
Guarda.
Numa palavra: Seguro acha o Interior do país muito bonito e
vê ali uma espécie de oásis para onde corerrão portugueses aos magotes,
desde logo porque as rendas são baratas e o ar muito saudável. É uma
visão quase enternecedora, mas que não resiste, claro, à prova dos
fatos: ou Seguro inventa milhares de postos de trabalho que fixem quem
lá está e atraia quem para lá queira ir, ou, em alternativa, garante uma
hortinha a cada um dos imaginários repovoadores do Interior
desertificado, de modo a garantir-lhes, apenas e só, a sobrevivência.
Estes
votos pios sobre as "possibilidades" e as "potencialidades" do
Interior, uma e outra vez reiterados por líderes partidários quando dão
um pulinho às berças, são profundamente irritantes. Só na última década,
o distrito de Vila Real perdeu cerca de 50 mil habitantes. O desemprego
duplicou. A perda de serviços galopou. A agricultura definhou. O
envelhecimento trepou.
Os autarcas têm culpas no cartório? Têm.
Mas estão muito longe de ser os principais culpados. Por uma razão: as
decisões sobre o verdadeiro aproveitamento das "potencialidades" não são
tomadas por eles. São tomadas longe deles. E muitas vezes contra eles.
Enquanto assim for, as escolas continuarão a fechar e os cemitérios a
alargar.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
18/03/13
.
Sem comentários:
Enviar um comentário