A voragem síria
Os presidentes dos EUA e da Rússia, têm de se empenhar, direta e pessoalmente. Dariam um excelente exemplo de liderança
Frustração! Para quem
passou boa parte da sua vida profissional a tentar resolver conflitos
violentos por meios pacíficos, através de negociações políticas, a crise
síria, sem solução à vista, traduz-se numa enorme frustração. As
dezenas de milhares de vítimas, o sofrimento e o imenso desafio
humanitário são a face mais visível e dolorosa do falhanço da comunidade
internacional. Mostram que o Conselho de Segurança da ONU, enquanto
expressão máxima da vontade coletiva, não funciona. Esta tragédia poderá
ser considerada como o maior fracasso da história do Conselho de
Segurança. E, por arrastamento, está a destruir o capital que havia sido
investido em áreas como o dever de proteção das populações civis e a
prevenção de conflitos.
Por outro lado, o contributo para o agravamento
da desestabilização do Médio Oriente é cada vez mais real. A
intromissão, há dias, da aviação israelita é a mais recente prova desse
risco. País charneira, a Síria tem ligações intrincadas com uma
vizinhança já por si profundamente instável: o Líbano, a Palestina, a
Jordânia, o Iraque e o Irão, sem contar com os curdos da Turquia e os
xiitas da Arábia Saudita e do Golfo Pérsico.
O prolongamento e ferocidade da guerra civil têm levado à
radicalização do conflito. Ambos os lados estão convencidos -
erradamente - de que só existe um desfecho militar para o impasse atual.
O mesmo se pode dizer dos governos que apoiam as rebeliões. Também eles
acreditam que, mais tarde ou mais cedo, Al-Assad será derrotado, pela
força das armas. Quanto aos países que estribam o regime, ou que lhe dão
cobertura diplomática, limitam-se a fazer eco das posições de Damasco,
sem aconselharem a elite no poder a procurar uma saída negociada e
equilibrada.
Tem-se igualmente assistido a um reforço da presença dos grupos
armados de inspiração religiosa extrema. É pouco claro qual o grau de
coordenação e de comando e controlo que caracterizam as ações desses
grupos. O que é óbvio é que estão hoje mais bem armados do que há meses,
o que faz pensar que os apoios exteriores, quer dos Estados vizinhos
quer da Europa, se concentram, atualmente, em meios bélicos e não em
material de telecomunicações ou em cantis para a água potável. Um número
crescente de combatentes provém do exterior, incluindo da Arábia
Saudita. Muitos destes radicais voltarão, um dia, às suas terras de
origem, levando na bagagem uma experiência de rebelião violenta. As
cinzas sírias darão, assim, origem a outros fogos.
Reconhecida a gravidade e complexidade do presente, perguntar-se-á
qual é a solução? Têm aparecido muitas ideias impraticáveis, incluindo o
envio de uma missão multinacional, com robustez militar suficiente para
impor o fim das hostilidades. Uma missão desse género só pode surgir no
seguimento de um acordo interno de paz. Não é exequível enquanto a
situação de guerra civil se mantiver. Sem contar com o facto de não
existir base jurídica, na lei internacional, para o fazer. Nestas
condições, o único passo viável, embora muito difícil, passa pela
pressão política, sem ambiguidades, dos parceiros externos sobre as
partes beligerantes. É preciso forçá-las a aceitar um cessar-fogo.
Depois, devem discutir, sem condições prévias, a trajetória e os
contornos da transição política. Para que isto aconteça, os principais
dirigentes mundiais, sobretudo os presidentes dos EUA e da Rússia, têm
de se empenhar, direta e pessoalmente, na questão. Dariam, ao mesmo
tempo, um excelente exemplo de liderança. Quando a frustração é grande, a
ambição tem de ser desmesurada.
IN "VISÃO"
08/02/13
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