Empresários
e trabalhadores, uni-vos
1. Carlos Moedas sentiu-se esta semana injustiçado com a
ingratidão dos empresários, e tem a sua razão. Ao longo do último ano a
maioria fez das tripas coração para lhes agradar, enfraquecendo a
contratação colectiva, cortando férias, reduzindo as indemnizações por
despedimento e abrindo caminho à redução salarial. Cuspir a cereja que o
governo colocou briosamente a decorar o bolo é coisa para deixar
qualquer um desgostoso.
A classe empresarial não
desistiu de insistir na redução dos custos laborais nem na
flexibilização das relações de trabalho, mas, tirando raras excepções,
não quer entrar em colisão com os consensos instantâneos que se formam
na sociedade portuguesa. Não tendo sido tidos nem achados sobre o tema, e
depois das violentas alfinetadas que se desferiram contra a medida,
muitas delas por ilustres do PSD, vir em sua defesa pareceria despudor
capitalista a mais. Alinhar no discurso dominante ou resguardar-se atrás
de prudentes silêncios (como fez a banca) era a opção mais confortável.
Pelo caminho e pela calada, quem pode, vai já
tentando negociar com os trabalhadores formas de lhes pagar parte do
salário "por fora". No conluio, ganham todos: as empresas acrescentam
mais uns pozinhos de poupança aos 5,75% que vão amealhar e os
trabalhadores abrigam-se um pouco da voragem fiscal que não lhes tem
dado contrapartidas úteis.
É assim. Passos Coelho quis tanto cavar mais fundo o fosso entre capital e trabalho, que acaba por os unir, contra o Estado.
2.
Durante a entrevista que concedeu à RTP para justificar mais um
empobrecimento forçado da maioria das famílias, o primeiro-ministro
resolveu dedicar palavras especiais de conforto aos reformados que
ganham mais de 5.000 euros/ mês. São 2.400 cidadãos que, ali, tiveram a
garantia de que não seriam "espoliados" através de um duplo corte nas
pensões.
A deferência teve como destinatários Manuela Ferreira Leite
e outras figuras influentes que estão a ser fortemente afectados pela
dieta especial dirigida a este grupo, e que, coincidência ou não, têm
ajudado a minar a proposta de desvalorização fiscal e a estratégia de
austeridade.
É verdade, como diz a ex-ministra das
Finanças, que muitos pensionistas com reformas elevadas estão a sofrer
perdas significativas, muito para lá do que é exigido a quem tem o mesmo
nível de rendimentos oriundo de outras fontes. E também é verdade que a
pressão fiscal sobre este grupo de reformados é adicionalmente agravada
por causa de uma dedução específica mais desfavorável em sede de IRS.
Mas
convém balizar a coisa. Muitas das chamadas "pensões milionárias" foram
calculadas à luz de regras excessivamente generosas, quer na Função
Pública, quer em instituições com sistemas próprios como aconteceu
durante anos a fio no Banco de Portugal.
É
certo que todos os cidadãos têm direito à protecção das suas
expectativas e à preservação do seu património, e quem, por lei, formou
direitos de pensão de reforma, mesmo que acima de 5.000 euros, não é
excepção. Mas convenhamos: moralmente, são os últimos que têm o direito
de se queixar.
*Redactora principal
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
20/09/12
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