27/09/2012

ELISABETE MIRANDA




Empresários 
     e trabalhadores, uni-vos

1. Carlos Moedas sentiu-se esta semana injustiçado com a ingratidão dos empresários, e tem a sua razão. Ao longo do último ano a maioria fez das tripas coração para lhes agradar, enfraquecendo a contratação colectiva, cortando férias, reduzindo as indemnizações por despedimento e abrindo caminho à redução salarial. Cuspir a cereja que o governo colocou briosamente a decorar o bolo é coisa para deixar qualquer um desgostoso.

A classe empresarial não desistiu de insistir na redução dos custos laborais nem na flexibilização das relações de trabalho, mas, tirando raras excepções, não quer entrar em colisão com os consensos instantâneos que se formam na sociedade portuguesa. Não tendo sido tidos nem achados sobre o tema, e depois das violentas alfinetadas que se desferiram contra a medida, muitas delas por ilustres do PSD, vir em sua defesa pareceria despudor capitalista a mais. Alinhar no discurso dominante ou resguardar-se atrás de prudentes silêncios (como fez a banca) era a opção mais confortável.

Pelo caminho e pela calada, quem pode, vai já tentando negociar com os trabalhadores formas de lhes pagar parte do salário "por fora". No conluio, ganham todos: as empresas acrescentam mais uns pozinhos de poupança aos 5,75% que vão amealhar e os trabalhadores abrigam-se um pouco da voragem fiscal que não lhes tem dado contrapartidas úteis.

É assim. Passos Coelho quis tanto cavar mais fundo o fosso entre capital e trabalho, que acaba por os unir, contra o Estado.

2. Durante a entrevista que concedeu à RTP para justificar mais um empobrecimento forçado da maioria das famílias, o primeiro-ministro resolveu dedicar palavras especiais de conforto aos reformados que ganham mais de 5.000 euros/ mês. São 2.400 cidadãos que, ali, tiveram a garantia de que não seriam "espoliados" através de um duplo corte nas pensões.

A deferência teve como destinatários Manuela Ferreira Leite e outras figuras influentes que estão a ser fortemente afectados pela dieta especial dirigida a este grupo, e que, coincidência ou não, têm ajudado a minar a proposta de desvalorização fiscal e a estratégia de austeridade.

É verdade, como diz a ex-ministra das Finanças, que muitos pensionistas com reformas elevadas estão a sofrer perdas significativas, muito para lá do que é exigido a quem tem o mesmo nível de rendimentos oriundo de outras fontes. E também é verdade que a pressão fiscal sobre este grupo de reformados é adicionalmente agravada por causa de uma dedução específica mais desfavorável em sede de IRS.

Mas convém balizar a coisa. Muitas das chamadas "pensões milionárias" foram calculadas à luz de regras excessivamente generosas, quer na Função Pública, quer em instituições com sistemas próprios como aconteceu durante anos a fio no Banco de Portugal.

É certo que todos os cidadãos têm direito à protecção das suas expectativas e à preservação do seu património, e quem, por lei, formou direitos de pensão de reforma, mesmo que acima de 5.000 euros, não é excepção. Mas convenhamos: moralmente, são os últimos que têm o direito de se queixar.

*Redactora principal 

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
20/09/12

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