23/07/2012

RAQUEL GONÇALVES




DOR

No Rochão, nesta semana de inferno, uma mulher dizia já não saber para onde olhar. E, na verdade, o olhar dói, cansado da tragédia, cansado do negro, cansado da destruição. O olhar dói cansado das lágrimas, da impotência.

Depois dói ainda o peito, não só do fumo que não deixa respirar, mas sobretudo de sentir o desespero dos que perdem tudo, dos que se lançam em fuga desenfreada pela encosta, dos que deixam o coração no lugar que morre rapidamente. O lugar que é a casa,  a estrada familiar, o solo da pertença, o lugar de viver.

Dói também o coração, profundamente, de ver os outros a descompasso, de sentir o pulsar da derrota numa luta desigual.
Dói ainda a razão, porque há coisas que não se percebem, porque é difícil aceitar que tudo isto possa ter origem criminosa ou negligente As duas são incompreensíveis e imperdoáveis.

É uma dor comum esta, que nos traz desamparados e exaustos, derrotados e vencedores num só movimento. A dor e o desespero não apagam uma certeza: o povo desta terra merece uma segunda oportunidade, merece mais e melhor.
Merecem melhor aqueles que lutam contra as chamas maiores do que a alma e do que a força. Merecem melhor os bombeiros sem descanso, os polícias, os militares, os homens da Cruz Vermelha, os socorristas.  Merecem melhor todos os que não baixam os braços dias a fio, noites inteiras, longas horas intermináveis.

Por isso, não entendo que se peça contenção nas notícias, contenção nas palavras. Muito menos quando se o faz apenas em nome  de uma estratégia de poder, uma estratégia, felizmente falhada, de domesticar a verdade.
Esta gente merece mais do que palavras de circunstância, esta gente merece a verdade, a sua verdade. Merece que a sua dor tenha a dimensão certa, merece que o seu desespero seja documentado com verdade e não escondido por declarações em gabinetes onde o fumo não chega. 
Esta gente merece melhor, muito melhor. Em actos, é verdade, mas também em palavras, porque, muitos vezes, a verdade é a única justiça que nos resta.



IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
22/07/12

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