DOR
No Rochão, nesta semana de inferno, uma mulher dizia já não saber
para onde olhar. E, na verdade, o olhar dói, cansado da tragédia,
cansado do negro, cansado da destruição. O olhar dói cansado das
lágrimas, da impotência.
Depois dói ainda o peito, não só do fumo que não deixa respirar, mas
sobretudo de sentir o desespero dos que perdem tudo, dos que se lançam
em fuga desenfreada pela encosta, dos que deixam o coração no lugar que
morre rapidamente. O lugar que é a casa, a estrada familiar, o solo da
pertença, o lugar de viver.
Dói também o coração, profundamente, de ver os outros a descompasso, de sentir o pulsar da derrota numa luta desigual.
Dói ainda a razão, porque há coisas que não se percebem, porque é
difícil aceitar que tudo isto possa ter origem criminosa ou negligente
As duas são incompreensíveis e imperdoáveis.
É uma dor comum esta, que nos traz desamparados e exaustos,
derrotados e vencedores num só movimento. A dor e o desespero não apagam
uma certeza: o povo desta terra merece uma segunda oportunidade, merece
mais e melhor.
Merecem melhor aqueles que lutam contra as chamas maiores do que a
alma e do que a força. Merecem melhor os bombeiros sem descanso, os
polícias, os militares, os homens da Cruz Vermelha, os socorristas.
Merecem melhor todos os que não baixam os braços dias a fio, noites
inteiras, longas horas intermináveis.
Por isso, não entendo que se peça contenção nas notícias, contenção
nas palavras. Muito menos quando se o faz apenas em nome de uma
estratégia de poder, uma estratégia, felizmente falhada, de domesticar a
verdade.
Esta gente merece mais do que palavras de circunstância, esta gente
merece a verdade, a sua verdade. Merece que a sua dor tenha a dimensão
certa, merece que o seu desespero seja documentado com verdade e não
escondido por declarações em gabinetes onde o fumo não chega.
Esta gente merece melhor, muito melhor. Em actos, é verdade, mas
também em palavras, porque, muitos vezes, a verdade é a única justiça
que nos resta.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
22/07/12
Sem comentários:
Enviar um comentário