02/07/2012

GEORGE SOROS

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 Como a Europa 
      pode salvar a Europa 


Durante a sua reunião em Roma na última quinta-feira, os líderes das quatro maiores economias da zona euro concordaram em medidas no sentido de uma união bancária e num modesto pacote de estímulo para complementar o novo “compacto fiscal” da União Europeia. Estas medidas não são suficientes. 

A chanceler alemã Angela Merkel resistiu a todas as propostas para providenciar alívio, à Espanha e à Itália, dos excessivos prémios de risco que ambos os países agora enfrentam. Como resultado, a próxima cimeira da UE pode transformar-se num fiasco, que bem pode ser letal, porque deixaria o resto da zona euro sem uma barreira de protecção financeira suficientemente forte para o proteger da possibilidade de uma saída grega. 

Mesmo que uma calamidade fatal possa ser evitada, a divisão entre países credores e devedores será reforçada, e os países da “periferia” não terão hipótese de retomar a competitividade, porque o terreno de jogo está inclinado contra eles. Isto pode servir o estrito interesse próprio da Alemanha, mas criará uma Europa muito diferente da sociedade aberta que incendiou a imaginação dos povos e impulsionou a integração europeia durante décadas. Tornará a Alemanha o centro de um império e subordinará permanentemente a “periferia”. Isso não é o que Merkel e a esmagadora maioria dos alemães defendem. 

Merkel argumenta que é contra as regras usar o Banco Central Europeu para resolver os problemas fiscais dos países da zona euro – e tem razão. O presidente do BCE Mario Draghi diz mais ou menos o mesmo. Na verdade, à agenda da próxima cimeira falta um importante ponto: uma Autoridade Fiscal Europeia (AFE) que, em parceria com o BCE, possa assumir o que o BCE não tem competência para fazer. 

Em particular, a AFE poderia estabelecer um Fundo para Redução de Dívida – uma forma modificada do Pacto Europeu de Resgate de Dívida proposto pelo Conselho de Assessores Económicos e apoiado pelos sociais-democratas e Verdes da Alemanha. Por troca de reformas estruturais especificadas em Itália e Espanha, o Fundo adquiriria e deteria uma porção significativa dos títulos de dívida emitidos. Financiaria as compras emitindo títulos do Tesouro Europeu – obrigações solidárias dos países membros – e transferindo o benefício do financiamento barato para os países em causa. 

Aos títulos do Tesouro seria atribuída uma classificação de risco zero pelas autoridades e estes seriam tratados como garantias da mais elevada qualidade em operações de recompra no BCE. O sistema bancário tem uma necessidade urgente de activos líquidos livres de risco. Os bancos detêm actualmente mais de 700 mil milhões de euros de liquidez excedentária no ECB, remunerados a uma taxa de juro de apenas um quarto de 1%. Isto assegura um mercado grande e receptivo a títulos remunerados a uma taxa de 1% ou inferior. 

No caso de um país participante faltar posteriormente aos seus compromissos, a AFE poderia impor uma multa ou outra penalidade, que seria proporcional à violação, prevenindo assim que a sua aplicação se torne uma opção nuclear que nunca se possa exercitar. Isto forneceria uma forte protecção contra o risco moral. A um governo posterior, digamos, na Itália, seria praticamente impossível quebrar quaisquer compromissos encetados pela actual administração do primeiro-ministro italiano, Mario Monti. Com praticamente metade da dívida da Itália financiada por Títulos do Tesouro Europeu – produzindo um efeito comparável à redução do prazo médio de vencimento da sua dívida – um governo seguinte seria muito mais sensível a qualquer punição imposta pela AFE. 

Depois de um período adequado, os países participantes adeririam a programas de redução de dívida, ajustados de modo a que o seu crescimento não seja posto em risco. Isto seria o prelúdio do estabelecimento de uma completa união política e da introdução das eurobonds. Claro, a emissão de títulos do Tesouro Europeu necessitaria da aprovação do Bundestag, mas estaria em conformidade com o requisito do Tribunal Constitucional Alemão de que qualquer compromisso aprovado pelo Bundestag seja limitado no tempo e na dimensão. 

Não é tarde demais para transformar esta proposta numa declaração política que sustente não apenas o objectivo de longo prazo da união política, mas também um roteiro para uma união fiscal e bancária. Guiado por esta declaração, o fundo de auxílio financeiro da zona euro, o Mecanismo de Estabilização Financeira (MEF), poderia imediatamente assumir os títulos Gregos detidos pelo ECB; o ECB poderia começar a acumular títulos espanhóis e italianos; e a Itália e a Espanha poderiam implementar as reformas estruturais necessárias para se qualificarem ao Fundo de Redenção de Dívida.Esta agenda traria imenso alívio aos mercados financeiros. De modo igualmente importante, mudaria a dinâmica política da Europa do negativo para o positivo. 

O principal obstáculo é que os políticos alemães permanecem mergulhados numa postura de “não pode ser”. Merkel insiste que uma união política deve preceder uma completa união fiscal e bancária. Isso é simultaneamente irrealista e irrazoável. Os três processos devem ser desenvolvidos em conjunto, passo a passo. Não poderá haver um tratado ou uma cláusula constitucional impedindo o estabelecimento da AFE se o eleitorado alemão, representado pelo Bundestag, o aprovar; de outro modo, o MEF nunca poderia ter sido criado. Se o resto da Europa estiver unido no apoio a esta proposta, e se o Bundestag a rejeitar, a Alemanha deve assumir inteira responsabilidade pelas consequências financeiras e políticas.



 Presidente do conselho de administração do Soros Fund Management e do Open Society Institute

 Traduzido do inglês por António Chagas/Project Syndicate 


IN "PÚBLICO" 
26/06/12

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