11/06/2012

CONNIE HEDEGAARD


  

Crescimento económico 2.0

Quando nasci, havia três mil milhões de pessoas sobre este planeta. Uma criança que nasça hoje será uma entre sete mil milhões e mais irão chegar durante toda a sua vida.

Quando esta criança chegar aos 18 anos, em 2030, mais de três mil milhões de pessoas irão pertencer à classe média. Isto pode ser uma boa notícia, a não ser que continuemos a fazer mais do mesmo, porque o mundo necessitará pelo menos de mais 50% de alimentos e 30% de água do que hoje. E também vamos precisar de mais 45% de energia.

Mas uma criança que nasça hoje irá ver os recursos naturais decrescerem e os preços a subir e vai sentir, de forma crescente, as consequências da mudança do clima.

Estes são os desafios que lançamos no novo relatório do Painel Global da Sustentabilidade, do qual tenho a honra de fazer parte. O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon lançou-o e convidou-nos a prepararmos uma visão de longo prazo para a conferência sobre desenvolvimento sustentável Rio+20, que decorrerá em Junho no Brasil. 

E a nossa recomendação é clara: somente um modelo de crescimento sustentável pode assegurar uma vida decente no século XXI a uma criança que nasça hoje.

O título do relatório é "Um futuro que vale a pena escolher". Nós ainda temos uma hipótese. Em vez de continuarmos a fazer da forma dispendiosa habitual, podemos optar por investir de maneira inteligente num futuro mais verde.

Nós todos queremos um mundo onde o clima é protegido, a economia cresça e os seus efeitos sociais e ambientais diminuam.

É claro que, enquanto a Terra recupera da crise financeira, a nossa concentração mantém-se no crescimento e na criação de emprego. Mas em que tipo de crescimento e emprego? A reestruturação é inevitável. E porque não escolhemos um caminho que faça sentido a longo prazo, um caminho que substitua o uso em excesso da sustentabilidade? Qualquer um sabe que não podemos lidar com os desafios do século XXI com base em modelos de crescimento dos séculos XIX ou XX. 
 
Mas está a surgir uma nova mentalidade. Desde 2004, um trilião de dólares (mais de 796 mil milhões de euros) foram investidos, a nível global, em energia limpa, de acordo com estudos recentes. Este mercado deverá duplicar ou mesmo triplicar entre 2010 e o final desta década.

Na Europa, foram criados mais de 300 mil novos empregos no sector das energias renováveis em apenas cinco anos. E estima-se que atingir os objectivos da União Europeia para o clima e energia irá implicar mais 1,5 milhões de empregos.

Já há muito boas ideias estabelecidas. As empresas não precisam que lhes digam que o recurso à eficiência é um bom negócio. A Procter and Gamble lançou no mercado um detergente para trabalhar em água fria, reduzindo o volume de energia necessária para lavar as roupas. O gigante de transporte internacional dinamarquês Maersk quer cortar a energia que consome para metade graças à construção de navios tanque maiores e à redução da velocidade de navegação. A Umicore refere que quase 100% dos metais preciosos que utiliza para a sua produção foram recuperados a partir de materiais secundários. São exemplos que mostram que vale a pena ser eficiente.

A boa nova é que o caminho para a sustentabilidade não precisa de ser feito à custa do crescimento económico. Apenas se trata de manter e melhorar a nossa qualidade de vida, ao mesmo tempo que asseguramos que a poluição não mina o nosso crescimento económico. E inclui formas mais perspicazes de produzir e cidades mais inteligentes, com ar mais limpo e menos poluição, barulho e congestionamentos. Abrange também a construção de casas mais eficientes energeticamente e contas energéticas mais baixas.

Os líderes mundiais devem usar a cimeira Rio+20 de Junho para trazer o desenvolvimento sustentável para a agenda económica global. É ali que deve estar e não isolado das decisões económicas no silo do ambiente. Somente depois é que podemos encaminhar as acções para a escala necessária e com a rapidez que todos precisamos.

Nada devia ser mais urgente do que isso. Não para os políticas. E certamente que não para as empresas. O tempo é o nosso recurso mais escasso. Em 2010, as emissões globais de gases com efeito de estufa atingiram o seu nível mais elevado.

A UE está já a movimentar-se na direcção certa, dentro de casa e no exterior. Temos metas obrigatórias para redução de emissões e energias renováveis, um preço para o carbono e medidas de eficiência energética. E estamos a procurar formas mais inteligentes de tributar o trabalho e o consumo.

Mas os países desenvolvidos não conseguem enfrentar os desafios ambientais sozinhos. Perante a realidade do século XXI, isto já não é possível, quando as economias em desenvolvimento também contam para o elevado crescimento do consumo e das emissões. Estamos a chegar a um ponto em que todos países devem agir de acordo com as suas capacidades e responsabilidades.

E nós precisamos de juntar as mãos com o sector privado; precisamos de estabelecer um preço para a poluição ambiental. O capital privado procura motivações lucrativas. Mas o custo de produção não é a única coisa que determina o valor de um produto. O prejuízo que provoca na sua envolvente também deve ser manifestado no seu preço. Só desta forma podemos incentivar a mudança para o desenvolvimento sustentável.

O crescimento económico deve ser medido para além do Produto Interno Bruto. Deve incluir a saúde natural de um país, um ambiente limpo, a coesão social.

O crescimento sustentável irá garantir uma vida decente a uma criança que nasça em 2012. As nossas acções actuais têm de ser o reflexo do tipo de sociedade que queremos para amanhã. Não nos podemos dar ao luxo de ficarmos parados. Usemos a próxima cimeira Rio+20 como pontapé de saída para a transição global para o modelo de crescimento sustentável no século XXI que o mundo tanto necessita.


Connie Hedegaard, Comissária europeia para o Clima 


IN "JORNAL DE NEGÓCIOS" 
08/06/12 

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