27/05/2012

FRANCISCO SARSFIELD CABRAL




A responsabilidade europeia

O Fundo Monetário Internacional (FMI) foi, até há poucos anos, considerado ultra conservador nas políticas económicas que impunha aos países onde intervinha, entre os quais Portugal (em 1978 e 1983).

Por exemplo, na crise asiática, no final dos anos 90, a receita do FMI terá causado mais estragos do que benefícios. E na bancarrota da Argentina (2002) o FMI não previu a tempo as consequências catastróficas de o câmbio do peso argentino se manter então ligado ao dólar.

O próprio FMI reconheceu, recentemente, a validade de algumas críticas de que era alvo. A mudança de atitude manifesta-se, hoje, em sucessivos alertas contra excessos de austeridade. Mas o FMI faz parte da troika que infligiu à Grécia uma dose punitiva de austeridade, provocando uma espiral recessiva. O PIB grego contraiu 20% desde que o governo de Atenas começou a aplicar essa política (com muitas falhas, é certo).

No resgate grego, o maior de sempre, o FMI advogou cortes graduais na despesa pública, dando prioridade às reformas estruturais. Merkel opôs-se. O resultado, aliás previsível e previsto, foi a profunda recessão ter dificultado a redução do défice orçamental, que permanece perto dos 10% do PIB. Quem falhou na Grécia, além dos gregos, não foi o FMI, foi a União Europeia (UE), por pressão alemã. Desde logo, atrasando incrivelmente a assistência à Grécia.

A ideia da chanceler alemã é que só a dureza da austeridade leva os países assistidos a concretizarem reformas. A incapacidade do Estado grego, nomeadamente para cobrar impostos, e a corrupção política desmentiram a chanceler. E foi o FMI a convencer uma relutante Merkel a aceitar o perdão parcial da dívida grega, quando a alternativa seria a bancarrota total.

O actual representante máximo do FMI na troika que lida com Portugal, o etíope Abebe Selassie, formulou reservas ao exagero da austeridade, sobretudo face ao rápido crescimento do desemprego. Quanto aos outros dois elementos da troika, o Banco Central Europeu (BCE) tem ajudado naquilo que pode, ou seja, no que o Tratado da UE não proíbe expressamente. Já a Comissão Europeia tem sido travada por Merkel quanto a eventuais alívios na austeridade, marginalizando Durão Barroso. Uma posição que alguns esperam, porventura com excessivo optimismo, ver alterada por influência do Presidente Hollande.

Então, perguntar-se-á com o PS, porque não se junta o Governo português ao coro europeu (e não só) para aliviar a austeridade, solicitando alterações no memorando de entendimento com a troika? Neste ponto crucial – não pedir mais tempo nem mais dinheiro para Portugal fazer o ajustamento – Passos Coelho e Vítor Gaspar têm razão.

Tal não me impede de considerar um incompreensível erro político o Governo não dialogar mais com o PS, o que não significa concordar com as posições socialistas. Até porque Seguro mantém responsavelmente o compromisso de cumprir o memorando que o governo de Sócrates negociou.

Mas António José Seguro mostra irrealismo e demagogia quando diz não admitir que se toque nas funções sociais do Estado. Com que dinheiro, já não explica. Aliás, os cortes nos apoios sociais, na saúde e na segurança social começaram com o governo de Sócrates, porque a situação financeira era insustentável.

Depois, e mais importante, por desejável que seja, e é, um abrandamento da austeridade em Portugal, nunca um apelo nesse sentido deverá vir das autoridades portuguesas. É que tal seria encarado pelos mercados – dos quais dependemos – como um sinal de incapacidade para cumprirmos aquilo a que nos comprometemos. Seria uma machadada fatal na confiança que, gradualmente, lentamente, tem vindo a ser recuperada por Portugal. A iniciativa tem que vir da Europa. 


 IN "SOL" 
21/05/12

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