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Sindicatos não satisfazem
A crise põe à prova e obriga a rever posições
Os sindicatos são hoje apenas peças de museu ou podem entrar em fase de reanimação e desempenhar um papel que sirva a sociedade? Na crise que atravessamos, estão ultrapassados e desadequados ou ainda têm força para apresentar propostas alternativas? Com empresas a falir todos os dias e com a certeza de redução de organismos e empresas da administração pública, os sindicatos desempenham um papel no centro mediático e na mediação das conversações entre trabalhadores e empregadores. Mas têm resultados?
Num dos casos, fonte próxima de uma das empresas do Estado que vai ser alienada disse ao i que os dirigentes sindicais do sector mostram uma "grande impreparação e desconhecimento dos dossiês". Contactados pelo i, especialistas que têm estudado o movimento sindical nos últimos anos apontam sobretudo duas falhas: o desenquadramento ao nível da linguagem e a proximidade a referências ideológicas. Segundo Alan Stoleroff, sociólogo do ISCTE, os sindicatos "usam um discurso do passado, uma linguagem dos anos 70, mantêm os clichés da luta pela democracia, do PREC, da militância no PCP e não sabem comunicar".
Mas não é só a linguagem que deveria ser adequada aos novos tempos, dizem os sociólogos. "O corpo dirigente é pouco renovado", adianta Marinús Pires de Lima, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Como exemplos aponta as duas grandes centrais sindicais: "A CGTP é controlada há 25 anos por Carvalho da Silva e a UGT dirigida por João Proença há 16 anos."
Se os especialistas fazem esta leitura, os sindicalistas usam as mesmas palavras para rebater os argumentos. Para Joaquim Dionísio, responsável pelo gabinete de estudos da CGTP, não tem havido grandes alterações: "A situação laboral não se alterou no fundamental e desengane-se quem pensa que o movimento sindical vai adoptar os clichés neoliberais."
Influências Confrontados com uma "situação nova que requer soluções novas", os sindicatos "não estão preparados e têm tendência a partidarizar as questões", assinala António Chora, coordenador da comissão de trabalhadores da Autoeuropa.
Enquanto Stoleroff acredita que "os sindicatos têm um potencial inigualável para responder à crise", Chora denuncia uma "incapacidade de resposta e conformismo que desmotiva as pessoas". E aponta a "necessidade de maior conhecimento, mais estudo e preparação e menos ideologia".
A ligação aos partidos, sobretudo aos partidos da esquerda como o PCP, é uma das questões referidas. Elísio Estanque, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, refere que as organizações sindicais "não estão completamente apetrechadas, têm vivido enquadradas num modelo de referência de um período que já passou". O sociólogo considera que "a subordinação aos interesses partidários é nociva" para as próprias entidades. Este ponto de vista é partilhado por Stoleroff, que traça limites nesta relação: "Pode ser de apoio, mas um partido político tende a desvirtuar a prática sindical."
Em dificuldades As formas de luta continuam a ser as mesmas: manifestações, comunicados, reuniões, greves. Por isso, Elísio Estanque diz que gostaria de ver nos sindicatos "maior capacidade de reinvenção e mais debate". Nos últimos tempos, só em Portugal, já aconteceram duas manifestações que mobilizaram milhares de pessoas que tiveram início nas redes sociais. Têm estes movimentos a mesma força? Para os sociólogos contactados pelo i, os sindicatos têm de se adaptar às novas formas de comunicação, mas uma coisa é certa: "Apesar de os sindicatos estarem, em certos aspectos, desfasados e em dificuldades, as coisas seriam piores sem eles."
É perante este cenário que o sindicalista António Chora vê "com grande preocupação o futuro do sindicalismo", até porque "há cada vez menos sindicalizados". Nota o coordenador da comissão de trabalhadores da Autoeuropa que os jovens não se inscrevem, até porque não se revêem nos direitos pelos quais lutam os sindicatos. E faz o diagnóstico: "A UGT tem sido a muleta dos últimos governos e a CGTP o parte-canelas."
Privado vs. Público A força dos sindicatos muda do privado para o público. Para Marinús Pires de Lima, têm na função pública a capacidade de mobilização para manifestações que acabam por ter "pouca eficácia real". Por outro lado, não têm "iniciativa, são reactivos, sem capacidade para propor medidas".
Esta realidade, para Joaquim Dionísio, só diz respeito a um universo restrito de profissões, pois na maior parte dos casos "o empregado está em posição desfavorecida e só o sindicato tem capacidade para defender os seus interesses". Na opinião de Bettencourt Picanço, do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado, "é o governo que se mantém intransigente e não está aberto às propostas".
As dificuldades acabam por diminuir a força destas organizações. Stoleroff lembra que, "com excepção dos países nórdicos, na Europa os sindicatos têm vindo a perder peso". Em França, por exemplo, a sindicalização está abaixo dos 10%. Portugal confirma a tendência: a filiação sindical reduziu-se, em três décadas, para metade, enquanto a densidade sindical teve uma quebra de 61% para 19%.
* Excesso de cassetes, disketes de ambos os lados do poder. Se é revelada alguma fragilidade na acção sindical, esta não é compensada por melhor atitude do patronato que, continua na sua grande maioria com comportamento medieval. Não basta ter um sistema informático na empresa para se ser empresário moderno. A prioridade continua a ser o respeito mútuo.
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