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IN "O JORNAL ECONÓMICO"
Proximidade excessiva
O Presidente da República perde-se na realidade do dia a dia, torna-se cúmplice dos acontecimentos e desguarnece a posição de válvula do sistema.
1.
Admiro a capacidade de encaixe da ministra da saúde, Marta Temido.
Primeiro, foi destratada pelo primeiro-ministro. A seguir, foi criticada
pelo presidente da Câmara de Lisboa. E o que fez ela? Levantou-se e
saiu de cena, como recomendaria um pouco de brio pessoal e político
associado à convicção de que em consciência estaria a fazer um bom
trabalho no combate à pandemia associada ao Covid-19?
Não, nada disso.
Com
notável humildade, correndo o risco dessa enorme qualidade poder ser
confundida com apego ao poder ou, até, ser associada a eventuais
problemas de coluna, a senhora ministra reconheceu motivos a António
Costa e compreendeu as razões que fizeram falar Fernando Medina.
Pelo
meio, feita vedeta de televisão em programa da madrugada, arranjou
tempo para nos informar que não seria “boa ideia” ir para a rua “mamar
copos”, especialmente “sem máscara, nem nada”.
É por esta(s) e por
outras que o fantasma do populismo não deve assustar em demasia a
sociedade portuguesa. Há muito que a falta de uma elementar pose de
dignidade por parte de vários atores políticos nos prepara para o que aí
virá.
Infelizmente, a defesa do sentido de Estado, através da
exigência colocada aos seus servidores, não convoca o zelo das guardas
pretorianas que nos colocam a salvo do racismo, do ultraje às minorias e
dos direitos da condição feminina. Neste caso, é pena.
2.
Ainda não percebi a razão para as reuniões que o Presidente da
República promove no Infarmed para colocar em contacto sábios e algumas
forças viventes da sociedade portuguesa.
Uma coisa é Marcelo
Rebelo de Sousa, e bem, ter acabado com as trincheiras com que Cavaco
Silva isolara o Palácio de Belém. Outra, bem diferente, é julgar-se uma
espécie de super-primeiro-ministro, aliado do outro, o único que a
Constituição como tal reconhece.
Com essa sistemática atração pelo
terreno, pela cedência frequente ao chamamento do voluntarismo, o
Presidente da República perde-se na realidade do dia a dia, torna-se
cúmplice dos acontecimentos e desguarnece a posição de válvula do
sistema. Seria como se fizesse voluntariado nos mecanismos decisores da
proteção civil e depois quisesse pronunciar-se com distância sobre as
causas dos incêndios e as respetivas responsabilidades políticas. Não
dá. Perde ele, perdemos todos.
3. Revisito a reunião do Infarmed em que António Costa deu o ralhete a Marta Temido.
Esse
episódio, que revela o lado temperamental do primeiro-ministro, em
especial quando o mundo real coloca em causa o mundo que tem na cabeça e
a narrativa que pretende difundir, constituiu também uma
desconsideração evidente ao Presidente, aliás obrigado a terminar a
reunião imediatamente a seguir. Neste caso, a culpa é dele, porque já
deveria saber que há proximidades que se pagam caro.
O povo, cuja
companhia Marcelo Rebelo de Sousa tanto busca e aprecia – e isso já me
parece um lado positivo do seu mandato –, tem uma expressão que lhe
deveria, neste caso, merecer reflexão, e diz assim: “cada macaco no seu
galho”. Sobre macacos, aliás, provérbios não faltam.
03/07/20
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