09/06/2020

WENDELINE VAN DER FELTZ

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Acelerar a transição 
climática no pós-pandemia

Num mundo de alterações climáticas e riscos que se sobrepõem, como podemos salvaguardar a construção pós-Covid de uma sociedade e economia justas e resilientes à mudança do clima?

No início de maio, águas lamacentas destruíram um pequeno hospital distrital no Uganda, eliminando-o como instalação médica num futuro próximo, possivelmente para sempre. Felizmente, a equipa médica e os pacientes do Hospital Kilembe Mines, na cidade de Kasese, viram atempadamente o rio Nyamwamba subir e tiveram tempo de evacuar.

Que melhor símbolo para o mundo atual, com riscos múltiplos, do que a visão de um hospital num país em confinamento devido à Covid-19 ser devastado por uma inundação súbita, relacionada com as mudanças climáticas?

O incidente gerou vídeos e imagens impressionantes, fornecidas pelos socorristas da Cruz Vermelha do Uganda, para nos lembrar que a natureza não respeita limites. Na verdade, este é apenas um pequeno exemplo de um conjunto de riscos que atualmente afetam a África Oriental. No Centro Climático da Cruz Vermelha são examinados mapas sobrepostos de dois perigos bastante distintos: as inundações, relativamente previsíveis; e os vastos enxames de gafanhotos. Os riscos ocorrem em regiões pobres e, em alguns casos, de conflito, agudizando a vulnerabilidade das comunidades afetadas. Todos são intensificados pela pandemia de Covid-19.

Qualquer um destes riscos pode ser altamente invulgar (inundações extremas, gafanhotos) ou até mesmo completamente novo (Covid-19); porém, ter de enfrentar os três em simultâneo é algo para o qual nenhum plano de contingência, por mais diligente que seja, tem resposta.

A atual pandemia revela o quão vulneráveis as pessoas são face a crises inesperadas e, por isso, é necessário fortalecer a resiliência, investindo na prevenção e preparação de desastres. Uma componente-chave para a construção da resiliência é compreender e desenvolver as capacidades de resposta dentro de uma comunidade.

Parece que os dias das grandes equipas humanitárias internacionais a responderem a desastres estão contados. Tal como, em resposta à Covid, repensamos formas de trabalhar remotas e modelos de negócio, também o setor humanitário deverá cada vez mais institucionalizar novas formas de trabalhar para garantir o fortalecimento local, com a mobilização de recursos e conhecimento globais para esse fim.

Para pensar melhores soluções precisamos de juntar as diferentes respostas. Os governos estão a desenhar planos de recuperação para lidar com o impacto económico, e devemos refletir como será a reestruturação das nossas economias com os elevados investimentos na recuperação pós-Covid-19.

Ao serem repensadas as prioridades novas falhas surgirão, tais como a desigualdade. É crucial identificar essas lacunas atempadamente e garantir que os fundos para a recuperação do confinamento são investidos num futuro justo e sustentável.

Assim, os orçamentos de resposta à pandemia não podem ser vistos como a solução a longo prazo: é necessário examinar os nossos sistemas e os seus incentivos, tal como os fundos climáticos, e garantir que estes, de facto, incluem os mais vulneráveis. E devemos investir mais na capacidade de adaptação aos impactos das alterações climáticas. Globalmente, do total de 579 mil milhões de dólares, apenas 30 mil milhões são dirigidos à adaptação.

Hoje, menos de 10% de todo o financiamento climático é aplicado a nível local, o que é chocante, pois é precisamente nas comunidades locais que ocorrem os maiores impactos das alterações climáticas.

Felizmente, estão a ser tomadas medidas: o Banco Mundial desenvolveu orientações para tornar o investimento pós-Covid sustentável, cidades como Milão estão a transformar estradas em faixas para peões e o compromisso da Comissão Europeia com o “European Green Deal” mantém-se, tornando-o parte integrante de uma recuperação pós-Covid (impulsionada, obviamente, pela força de 1,85 biliões de euros).

Tempos de crise oferecem oportunidades para mudanças de 180°. A pandemia expôs as vulnerabilidades da nossa economia globalizada e devemos reconstruir e repensar as nossas economias e sociedades assentes num conjunto diferente de regras. Precisamos de uma liderança ousada para estabelecer as bases de uma sociedade mais justa e resiliente ao clima. E a hora da mudança é ontem.

* Alumna The Lisbon MBA Católica-Nova e Business Development Cruz Vermelha Holandesa Fundo Princesa Margriet

IN "O JORNAL ECONÓMICO"
08/06/20

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