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IN "i"
12/05/20
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O futuro e os caminhos
do sindicalismo judiciário
O sindicalismo judiciário português distinguiu-se na sua
origem de outras correntes associativas judiciais mais tradicionais
pois comungava, antes do mais, das aspirações democráticas da sociedade.
Disse um dia, já lá vão muitos anos, mais de 15, numa
assembleia-geral de uma associação europeia de juízes e procuradores
empenhados na democratização da justiça e na defesa das liberdades
(MEDEL), que o associativismo judiciário, quando desligado dos
movimentos democráticos que animam a sociedade, pode tornar-se um
instrumento politicamente perigoso.
O sindicalismo dos magistrados portugueses, diferentemente de outros
movimentos, nasceu, desde logo, comprometido com a vontade de
democratização da justiça.
Tal vontade expressava-se já antes do 25 de Abril – mais direta e
proximamente, nas teses do Congresso da Oposição Democrática de Aveiro
e, também, em alguns documentos da chamada ala liberal do regime – e
ganhou corpo e forma efetiva na sequência da revolução.
Nesse sentido, durante muitos anos, o sindicalismo judiciário
português foi-se distinguindo de outras correntes associativas judiciais
mais tradicionais, pois comungava, antes do mais, das aspirações
democráticas da sociedade: por isso optou, aliás, por assumir uma
estrutura sindical.
Devido a essa sua opção, participou na fundação da MEDEL, associação
europeia que, precisamente, tinha como objetivo exprimir uma leitura
crítica do direito e do próprio exercício da justiça, buscando assim
contribuir para a sua democratização e o reforço dos direitos das
liberdades dos cidadãos a nível europeu.
Acreditava-se então – e muitos ainda acreditam – que, fechado sobre
si próprio, o associativismo judiciário tende, naturalmente, a exprimir
uma visão corporativa e elitista que não só isola os magistrados da
sociedade como facilita a sua captura e instrumentalização por ideais
pouco consentâneos com os da Constituição (CR).
Foi isso que aconteceu, de resto, com o já então antigo movimento associativo dos magistrados alemães durante o regime nazi.
Foi isso que, num outro contexto político e judicial, sucedeu agora no Brasil.
Foi isso que ocorreu em Portugal, recentemente, com alguns movimentos sindicais atípicos noutros campos de atividade.
Os magistrados portugueses e os seus movimentos associativos não
podem nem devem, por isso, ser neutros: eles têm, em qualquer
circunstância, de estar comprometidos ativamente com os valores e
princípios da CR.
É que os magistrados não participam, como outros, apenas de um
serviço público. Exercem também funções constitucionais fortes e
coercitivas no âmbito de um poder do Estado democrático e
constitucional: o poder judicial.
E é esse estatuto que torna mais premente a necessidade do seu
público compromisso com os valores e princípios constitucionais. Perante
eles, não pode haver neutralidade.
Daí também a importância de as magistraturas verem a sua ação –
qualquer que seja o plano em que se desenvolve e exprime – balizada
escrupulosamente pelo princípio da legalidade.
É que, seja a que pretexto for, se se ultrapassarem os limites
impostos por tal princípio constitucional, é a legitimidade da autonomia
da sua organização que arrisca – e, nesse caso, bem – entrar em crise.
Por tal razão, também o associativismo judiciário só se realiza
enquanto for capaz de ser vigilante em relação a esses valores e
princípios e, por isso, crítico permanente da justiça que compete aos
próprios magistrados realizar.
Pelo contrário, perde força e pode transformar-se mesmo num
instrumento perigoso para a democracia se se converter num puro
artefacto de defesa corporativa ou numa peça de promoção de desígnios
programáticos de natureza política, alheios – ou indiferentes – à função
constitucional de garante dos direitos humanos.
Por tal razão, não é admissível uma cesura entre as posições pessoais
públicas dos dirigentes associativos dos magistrados e os compromissos
que, institucionalmente, estão obrigados a cumprir com a CR.
Hoje, a dificuldade que alguns representantes de algumas associações
profissionais de magistrados têm em fazer-se ouvir, e mesmo em fazer-se
entender, até quando procuram explicar as dificuldades profissionais
que, na maioria dos casos, os magistrados realmente têm, resulta do seu
progressivo fechamento aos problemas da sociedade e às respostas que a
CR desenha para eles.
Por tal razão, e ainda por via de um posicionamento cada vez mais
autocentrado, algum associativismo judiciário atual tem perdido
influência social e margem de efetiva intervenção institucional.
As mensagens, no mínimo autistas, que consegue transmitir só excitam e
impressionam, por isso, os seus autores e a respetiva entourage, ou a imprensa amiga e a escandalosa.
Tais mensagens têm, porém, prejudicado não só a imagem pública da
magistratura como, sobretudo, os justos anseios dos magistrados enquanto
profissionais empenhados na concretização da sua função estatutária e
na melhoria da condição institucional que lhe é inerente.
Mas, fundamentalmente, têm prejudicado os direitos dos cidadãos, que
necessitam hoje, mais do que nunca, de uma justiça atuante e credível
face aos muitos abusos e condutas anticonstitucionais que florescem na
sociedade e que a crise da covid-19 destravou.
Só o compromisso sólido com os valores da CR e a compreensão das
responsabilidades que o seu estatuto constitucional lhes confere podem
voltar a conciliar os magistrados e os seus movimentos associativos com
os cidadãos e aqueles que os representam.
IN "i"
12/05/20
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