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* Músico e jurista
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
10/04/20
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Agora não estamos
a falar de Arte
O estado de emergência em que vivemos tem esta natureza quase trágica de exigir comprometimento. Convoca inteligência, conhecimento, o descer à rua, à terra.
Exige percepção e objectividade, um acto cirúrgico que eleve o
sentido de oportunidade da resposta a um momento clarificador que não se
desperdice num enorme desapontamento.
Exige dimensão. Pode - e deveria ser - o tempo de ajustar a realidade
às suas naturais diferenças, exaltar o sentimento de pertença. À
transparência é quase uma pulsão performativa: há que fazer opções. E
essas opções, as que são tomadas neste momento de enorme exigência,
dizem muito sobre a verdadeira dimensão de quem as pensa, valora e
executa. Olhando para a forma como o Governo tem respondido à situação
dramática em que se encontra a comunidade artística, é desastroso
constatar que escolheu fazer o seu caminho pelo lado de fora.
Encontramos, então, o primeiro capítulo sobre a tentação da
facilidade, insuficiência e da falta de compreensão do momento. O milhão
de euros, anunciado pela ministra da Cultura, como primeira linha de
resposta à crise é, para utilizar palavras brandas, manifestamente
insuficiente. Se o valor é risível, pior é perceber que se crie um apoio
à criação como primeira linha de resposta do Estado, num momento em que
boa parte da comunidade artística se prepara para passar fome. Fomos,
portanto, confrontados com um novo paradigma criativo em que o limiar da
sobrevivência é, por estímulo governamental, decretado como a forma
última de arte. É como se nos dissessem: sobreviva e crie.
Não é por acaso que tantos artistas, autores, entidades, fundações,
sindicatos, associações, plataformas e agentes da comunidade artística
falam a uma só voz e procuram criar fundos de emergência. Não é por
excesso de tempo livre que músicos, actores, bailarinos e técnicos se
agrupam informalmente em debates, movimentos, manifestos, cartas e
apelos, para repensar e criar condições para se fazerem ouvir. É que à
custa da cultura nunca se ter sentado à mesa do Orçamento do Estado,
agora não há pão.
Toda a actividade artística foi cancelada ou adiada. O sector
cultural será dos últimos a retomar um simulacro de normalidade. Este
modelo cultural torto e injusto, assente na remuneração dos espectáculos
ao vivo porque o mercado digital só remunera verdadeiramente empresas e
intermediários, terá que contar os dias para o seu fim. A percepção
tornou-se visível, materializou-se.
Mas quem cuida do "até lá"? Chegou o
momento de convocar o Estado a olhar para os intermitentes sem
intermitência. O caso pessoal de cada artista passou a ser um caso
colectivo que só pode ter uma solução colectiva.
Da estupefacção e do embaraço perante as boas intenções. A ideia
peregrina do festival de música "TV Fest", em boa hora cancelado,
assemelhava-se a alguém que se dirige a uma comunidade no limiar da
sobrevivência e atira com Ferrero Rocher a alguns. Mas o Ministério da
Cultura ainda não percebeu que agora não estamos a falar de Arte?
* Músico e jurista
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
10/04/20
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