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Era avesso a dar entrevistas (pelo menos no Brasil) e raramente se deixava fotografar (só por familiares). Defendia que o escritor deve ser reconhecido pela sua obra. Mas em 2012, quando recebeu o Prémio Literário Casino da Póvoa, atribuído no festival Correntes d'Escritas, esteve em Lisboa e na Póvoa de Varzim, onde proferiu, naquela que constituiu uma das suas raras aparições em festivais literários, uma conferência inesquecível sobre se a escrita é um risco total. Pouco depois de ouvir a escritora Patrícia Reis, a presidente do júri do prémio, dizer o seu nome, Rubem Fonseca levantou-se para falar. Dizia que era “uma pessoa peripatética” e não podia ficar parado. No seu discurso de agradecimento, afirmou: “Amo a língua portuguesa, é uma língua lindíssima”. E lembrou o seu pai, que recitava de memória O Melro e sonetos de Camões. “Adoro poesia. Lembrei-me de Camões. Vocês me permitem que eu leia Camões?”, perguntou, encantando depois a sala ao recitar o soneto Busque Amor novas artes, novo engenho e terminando com um “Viva a língua portuguesa!” Nascido em Juiz de Fora, Minas Gerais, a 11 de Maio de 1925, José Rubem Fonseca era filho de portugueses.
Francisco José Viegas, secretário de Estado da Cultura à época, condecorou o escritor com a Medalha de Mérito Cultural. Nessa altura, escreveu um texto evocativo no PÚBLICO onde explicava que “Rubem Fonseca fez mais do que modelar histórias, escrever, representar, descer aos infernos, levar-nos a passear pelas penumbras do Rio (a mais impura das belezas urbanas)”, ao longo de uma obra que se estendeu das “páginas de historiografia de Agosto até ao rodopio cinematográfico de E do Meio do Mundo Prostituto Só Amores Guardei ao Meu Charuto, passando pela admirável máquina de criação de personagens que é Feliz Ano Novo”. Este seu livro de contos foi retirado de circulação no Brasil a mando da censura em 1975 juntamente com o livro Zero, de Ignácio de Loyola Brandão.
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HOJE NO
"PÚBLICO"
"PÚBLICO"
Morreu Rubem Fonseca, o escritor “peripatético”
que gritava vivas à língua portuguesa
que gritava vivas à língua portuguesa
O reverenciado autor brasileiro, que recebeu o Prémio Camões em 2003, tinha 94 anos.
O escritor brasileiro Rubem Fonseca, Prémio Camões 2003, morreu esta
quarta-feira num hospital do Rio de Janeiro, confirmou a família do
escritor ao PÚBLICO. O autor de Agosto, romance que tem como
pano de fundo o suicídio do presidente brasileiro Getúlio Vargas em
1954, tinha 94 anos. Vencedor de seis Prémios Jabuti e do Prémio Juan
Rulfo, era um dos mais importantes e singulares escritores brasileiros
contemporâneos.
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Entre as suas personagens mais conhecidas, notabilizou-se o detective
privado Mandrake, mulherengo e amante de vinho e de charutos, protagonista de alguns dos seus romances e contos. Autor de uma vasta obra narrativa, o contista e romancista era nos últimos anos publicado em Portugal pela Sextante Editora.
Foi nos anos 1960 que o escritor ganhou no Brasil notoriedade com a publicação de três volumes de contos : Os Prisioneiros (1963), A Coleira do Cão (1965, que muitos consideram ser a sua obra prima na narrativa curta) e Lúcia McCartney (1967).
Uma das marcas que o distinguia dos outros escritores brasileiros da
época, segundo os críticos, era o seu conhecimento da literatura
anglo-saxónica, principalmente da americana, e ter sido influenciado por
ela e também por ao contrário de muitos “não seguir a cartilha
marxista”, ele apresentava-se como liberal, como se explicava num artigo
da revista brasileira Bravo em 2009.
A sua escrita, que conjugava o seu apurado sentido de humor com cenas
que podiam ser de extrema violência ou de sexo, era também “seca e
objectiva” e com ritmo. Nos anos 1950, quando já tinha entrado para a
Academia de Polícia do Rio de Janeiro, onde foi um dos melhores alunos
da turma, fez várias viagens aos Estados Unidos. Mais tarde chegou a ser
professor convidado na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.
Não só a obra policial de Raymond Chandler e Dashiell Hammett fez parte
das suas influências, bem como a obra de Philip Roth, Norman Mailer ou
Saul Bellow. Também o cinema era uma das suas paixões e vários dos seus
livros foram adaptados ao cinema.
Era avesso a dar entrevistas (pelo menos no Brasil) e raramente se deixava fotografar (só por familiares). Defendia que o escritor deve ser reconhecido pela sua obra. Mas em 2012, quando recebeu o Prémio Literário Casino da Póvoa, atribuído no festival Correntes d'Escritas, esteve em Lisboa e na Póvoa de Varzim, onde proferiu, naquela que constituiu uma das suas raras aparições em festivais literários, uma conferência inesquecível sobre se a escrita é um risco total. Pouco depois de ouvir a escritora Patrícia Reis, a presidente do júri do prémio, dizer o seu nome, Rubem Fonseca levantou-se para falar. Dizia que era “uma pessoa peripatética” e não podia ficar parado. No seu discurso de agradecimento, afirmou: “Amo a língua portuguesa, é uma língua lindíssima”. E lembrou o seu pai, que recitava de memória O Melro e sonetos de Camões. “Adoro poesia. Lembrei-me de Camões. Vocês me permitem que eu leia Camões?”, perguntou, encantando depois a sala ao recitar o soneto Busque Amor novas artes, novo engenho e terminando com um “Viva a língua portuguesa!” Nascido em Juiz de Fora, Minas Gerais, a 11 de Maio de 1925, José Rubem Fonseca era filho de portugueses.
Sobre Bufo e Spallanzan, a obra de Rubem
Fonseca que conquistou o prémio desse ano, o júri destacou o modo como
demonstrava uma “compreensão alargada das situações e problemas
sociais”, bem como o rigor da escrita e “a qualidade da arquitectura romanesca”.
“É uma obra reveladora da diversidade do humano”, argumentou ainda o
colectivo, elogiando o seu “ritmo narrativo muito sedutor na abordagem
dos tipos humanos e no uso de uma linguagem coloquial”.
Francisco José Viegas, secretário de Estado da Cultura à época, condecorou o escritor com a Medalha de Mérito Cultural. Nessa altura, escreveu um texto evocativo no PÚBLICO onde explicava que “Rubem Fonseca fez mais do que modelar histórias, escrever, representar, descer aos infernos, levar-nos a passear pelas penumbras do Rio (a mais impura das belezas urbanas)”, ao longo de uma obra que se estendeu das “páginas de historiografia de Agosto até ao rodopio cinematográfico de E do Meio do Mundo Prostituto Só Amores Guardei ao Meu Charuto, passando pela admirável máquina de criação de personagens que é Feliz Ano Novo”. Este seu livro de contos foi retirado de circulação no Brasil a mando da censura em 1975 juntamente com o livro Zero, de Ignácio de Loyola Brandão.
Para o também editor e escritor português, profundo conhecedor da obra de Rubem Fonseca, A Grande Arte é o seu romance preferido de todos os que Rubem Fonseca poderia ter escrito. “É talvez injusto para um escritor que, depois de A Grande Arte, escreveu Buffo & Spallanzani, Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos e ainda os contos de O Buraco na Parede, Histórias de Amor, A Confraria dos Espadas, Pequenas Criaturas ou a retoma do personagem Mandrake em A Bíblia e a Bengala, um divertimento, sem falar da maravilhosa incursão pela música em O Selvagem da Ópera, uma espécie de biografia de António Carlos Gomes. Mas A Grande Arte,
romance que atravessa o género policial como um tormento, dilacerando-o
de ironia, de literatura e de melancolia, é uma revisão moderna e
brasileira do ‘cânone policial’, exaltando as suas virtudes, expondo as
suas vicissitudes e fragilidades, e rindo da ortodoxia”, defendia nessa
evocação.
“Além de tudo isso, que não é pouco, Rubem
Fonseca desdramatizou o uso da língua portuguesa, recriando-a,
reinventando-a graficamente; ele é, provavelmente, o mais brilhante
autor de diálogos na nossa língua, sem ceder à banalidade do
coloquialismo, às marcas regionais ou às fáceis armadilhas da
ortofonia”, acrescentava ainda Francisco José Viegas.
José Rubem Fonseca era licenciado em Direito. A sua formação
académica, o seu trabalho como Comissário na Polícia, a sua
especialização em psicologia criminal e toda a sua experiência e os
contactos inerentes à actividade policial marcaram fortemente a sua obra
literária.
Na altura em que lhe foi atribuído o Prémio Camões,
Eduardo Prado Coelho, que fazia parte do júri, lembrava no PÚBLICO que
quando A Grande Arte foi lançado em pequena edição em Portugal
logo se formou um clube de fanáticos pelo escritor. Contava então que a
escrita de Rubem era “urbana, directa" e conseguia uma enorme
comunicação com os novos leitores.
* Língua portuguesa de luto!
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