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IN "VISÃO"
20/04/20
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Retirem-nos a liberdade,
o abominável consenso
Uma sociedade que reage com alívio à restrição da sua liberdade, uma sociedade que normaliza o sobrevoo de drones, uma sociedade que não debate a restrição das suas liberdades, não anda bem
Estamos a meio de abril. Penso que estaremos de acordo acerca da
bondade da decretação do estado de emergência. Faço parte das pessoas
que não o desejaram. Quis adiar ao máximo esse instrumento-limite da
democracia. Gostei de sentir em António Costa o desconforto que assola
qualquer democrata profundo quando se vê confrontado com a primeira
declaração de estado de emergência desde que a Constituição foi
aprovada. Mas teve de ser. E hoje estamos a ver os resultados positivos
de um enquadramento jurídico excecional que permite, com segurança, dar
conforto às medidas altamente restritivas dos nossos diretos, liberdades
e garantias em nome da vida de todos.
Há vozes críticas relativamente aos decretos presidenciais,
vozes essas especialmente focadas no facto de ter sido incluída a greve
entre os direitos suspensos, crítica legítima, uma vez que a requisição
civil tem sido instrumento bastante. As reações às restrições aos
direitos dos trabalhadores são bem-vindas, mas não se compreende a
ligeireza com que se aceita toda e qualquer restrição da nossa
liberdade.
Uma das razões que se avançam para o grau zero de crítica
relativamente ao que se prende com a nossa liberdade é existir um enorme
consenso quanto à sua restrição. Ora, é precisamente essa alegria na
entrega voluntária ao legislador da liberdade geral de ação, do direito
de deslocação, do direito à reserva da intimidade e da vida privada,
entre outras liberdades, que mostra a nossa pequeníssima cultura
democrática.
Sem com isto querer significar que me oponho à decretação do estado
de emergência, antes pelo contrário, horroriza-me a facilidade com que
tanta gente afirma, sem tremer, que se o crime de desobediência fosse
ampliado aos que estão apenas sujeitos a um dever geral de
distanciamento social seria “mais fácil” perceber o que podemos e o que
não podemos fazer. Há muita gente que prefere um polícia à porta a um
conselho da DGS, e é por essa facilidade instintiva com que nos
despedimos da liberdade ser comum que há colunistas a sustentarem a
legitimidade da ocultação da verdade, como se o direito à informação
estivesse suspenso, assim como há quem não se sinta minimamente aflito
com a suspensão do direito de resistência.
Tenho medo da dormência em relação à restrição das nossas liberdades.
É fundamental que lutemos pelos direitos sociais, mas uma sociedade que
reage com alívio à restrição da sua liberdade, uma sociedade que
normaliza o sobrevoo de drones, uma sociedade que não debate a restrição
das suas liberdades, não anda bem.
* Deputada à A.R., Partido Socialista
IN "VISÃO"
20/04/20
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