22/04/2020

ISABEL MOREIRA

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Retirem-nos a liberdade,
o abominável consenso

Uma sociedade que reage com alívio à restrição da sua liberdade, uma sociedade que normaliza o sobrevoo de drones, uma sociedade que não debate a restrição das suas liberdades, não anda bem

Estamos a meio de abril. Penso que estaremos de acordo acerca da bondade da decretação do estado de emergência. Faço parte das pessoas que não o desejaram. Quis adiar ao máximo esse instrumento-limite da democracia. Gostei de sentir em António Costa o desconforto que assola qualquer democrata profundo quando se vê confrontado com a primeira declaração de estado de emergência desde que a Constituição foi aprovada. Mas teve de ser. E hoje estamos a ver os resultados positivos de um enquadramento jurídico excecional que permite, com segurança, dar conforto às medidas altamente restritivas dos nossos diretos, liberdades e garantias em nome da vida de todos.

Há vozes críticas relativamente aos decretos presidenciais, vozes essas especialmente focadas no facto de ter sido incluída a greve entre os direitos suspensos, crítica legítima, uma vez que a requisição civil tem sido instrumento bastante. As reações às restrições aos direitos dos trabalhadores são bem-vindas, mas não se compreende a ligeireza com que se aceita toda e qualquer restrição da nossa liberdade. 

Uma das razões que se avançam para o grau zero de crítica relativamente ao que se prende com a nossa liberdade é existir um enorme consenso quanto à sua restrição. Ora, é precisamente essa alegria na entrega voluntária ao legislador da liberdade geral de ação, do direito de deslocação, do direito à reserva da intimidade e da vida privada, entre outras liberdades, que mostra a nossa pequeníssima cultura democrática. 

Sem com isto querer significar que me oponho à decretação do estado de emergência, antes pelo contrário, horroriza-me a facilidade com que tanta gente afirma, sem tremer, que se o crime de desobediência fosse ampliado aos que estão apenas sujeitos a um dever geral de distanciamento social seria “mais fácil” perceber o que podemos e o que não podemos fazer. Há muita gente que prefere um polícia à porta a um conselho da DGS, e é por essa facilidade instintiva com que nos despedimos da liberdade ser comum que há colunistas a sustentarem a legitimidade da ocultação da verdade, como se o direito à informação estivesse suspenso, assim como há quem não se sinta minimamente aflito com a suspensão do direito de resistência. 

Tenho medo da dormência em relação à restrição das nossas liberdades. É fundamental que lutemos pelos direitos sociais, mas uma sociedade que reage com alívio à restrição da sua liberdade, uma sociedade que normaliza o sobrevoo de drones, uma sociedade que não debate a restrição das suas liberdades, não anda bem.

* Deputada à A.R., Partido Socialista

IN "VISÃO"
20/04/20

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