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* Advogada na Macedo Vitorino & Associados
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
01/10/19
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A Desconexão que
ficou pelo caminho…
Muito se tem escrito sobre a reforma do Código do Trabalho e os seus diversos aspetos positivos. No entanto, não podemos esquecer os aspetos que ficaram pelo caminho, nomeadamente o tão falado Direito à Desconexão.
Na sequência da consagração do Direito à Desconexão em França no ano de
2017, muito se prometeu sobre a regulação deste direito no ordenamento
jurídico português. Não obstante, nenhuma das propostas apresentadas
pelos diversos partidos (uma do PS, outra do PCP, outra do Bloco de
Esquerda e uma do PAN) foi aprovada.
O argumento que se tem defendido é o de que na lei constitucional e
laboral já se encontra previsto, ainda que indiretamente, um direito à
desconexão pelo que não será necessário estabelecer-se expressamente
este direito. Efetivamente, a Constituição da República Portuguesa prevê
o direito à "organização do trabalho em condições socialmente
dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal", bem como "ao
repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao
descanso semanal e a férias periódicas pagas" e o Código do Trabalho
estabelece o direito ao descanso do trabalhador.
Cremos
que o já previsto na legislação laboral e constitucional é demasiado
genérico, não sendo suficiente para definir os limites do referido
direito e as implicações que podem resultar da sua violação. Acresce que
a referida legislação foi criada numa Era Não Digital, portanto não
pensada para a atual geração da cloud, dos smartphones, dos tablets,
isto é, para a geração do "always on/always connected", ligada 24 sob 24
horas à internet.
Se por um lado existem vantagens
evidentes no uso das novas tecnologias (maior autonomia dos
trabalhadores na gestão do seu tempo de trabalho) é também evidente que
estas novas tecnologias levam a que os trabalhadores estejam cada vez
mais disponíveis fora do período normal de trabalho, o que acaba por
esbater a fronteira entre o tempo de trabalho e a vida privada e
familiar do trabalhador.
Torna-se, assim, cada vez mais veemente a necessidade de se estabelecer um regime específico sobre o Direito à Desconexão.
Efetivamente,
o legislador português poderia ter aproveitado a atual reforma ao
Código do Trabalho para regulamentar esta temática. Não o tendo feito,
apenas nos resta apelar aos parceiros sociais para que, através do
diálogo, consigam atingir um tipo de compromisso sobre a "nova"
flexibilidade temporal.
De acordo com o relatório anual do
Centro das Relações Laborais sobre a evolução da contratação coletiva
em 2018, em Portugal apenas duas convenções coletivas regulamentam o
direito à desconexão: (i) o acordo de empresa celebrado entre o Banco de
Portugal e o Sindicato Nacional dos Quadros Técnicos Bancários e a
Federação do Setor Financeiro; e (ii) o contrato coletivo de trabalho
celebrado entre a Associação Nacional de Agentes Corretores de Seguros e
o Sindicato dos Trabalhadores da Atividade Seguradora.
A
escassa regulamentação coletiva sobre o tema demonstra que enquanto não
surgir uma norma que preveja o Direito à Desconexão como um direito do
trabalhador e que obrigue as empresas em sede de negociação coletiva a
preverem e delimitarem a desconexão (à semelhança do que já acontece em
França e Espanha), o tema continuará a ficar esquecido nas negociações e
o direito ao repouso e à vida familiar e pessoal dos trabalhadores
continuará a ser negativamente afetado.
Deste modo, é
urgente regulamentar este direito e dar resposta às diversas questões
que se vêm colocando, nomeadamente esclarecer-se se: (i) devem ser
estabelecidas exceções para determinadas atividades (por exemplo as que
operam em diversos fusos horários); (ii) devem ser estabelecidas
exceções para determinadas categorias de trabalhadores; (iii) deve ser
estabelecido um impedimento de os empregadores contactarem os seus
trabalhadores fora do período normal de trabalho ou deverá antes
estabelecer-se o direito do trabalhador de não responder às solicitações
que receba; (iv) a conexão profissional do empregador com o trabalhador
no seu período de descanso pode constituir uma situação de assédio
moral.
Uma conclusão é certa, a atual incorporação das
novas tecnologias constitui um constante desafio ao Novo Direito do
Trabalho e é necessário que este saiba acompanhar tal evolução,
combatendo as zonas cinzentas que vão surgindo e que reclamam um
enquadramento específico, como é o caso do Direito à Desconexão.
Não foi desta, mas esperamos que seja para breve!
* Advogada na Macedo Vitorino & Associados
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
01/10/19
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