03/10/2019

ESTELA GUERRA

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A Desconexão que 
ficou pelo caminho…

Muito se tem escrito sobre a reforma do Código do Trabalho e os seus diversos aspetos positivos. No entanto, não podemos esquecer os aspetos que ficaram pelo caminho, nomeadamente o tão falado Direito à Desconexão.

Na sequência da consagração do Direito à Desconexão em França no ano de 2017, muito se prometeu sobre a regulação deste direito no ordenamento jurídico português. Não obstante, nenhuma das propostas apresentadas pelos diversos partidos (uma do PS, outra do PCP, outra do Bloco de Esquerda e uma do PAN) foi aprovada.

O argumento que se tem defendido é o de que na lei constitucional e laboral já se encontra previsto, ainda que indiretamente, um direito à desconexão pelo que não será necessário estabelecer-se expressamente este direito. Efetivamente, a Constituição da República Portuguesa prevê o direito à "organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a realização pessoal", bem como "ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas" e o Código do Trabalho estabelece o direito ao descanso do trabalhador.

Cremos que o já previsto na legislação laboral e constitucional é demasiado genérico, não sendo suficiente para definir os limites do referido direito e as implicações que podem resultar da sua violação. Acresce que a referida legislação foi criada numa Era Não Digital, portanto não pensada para a atual geração da cloud, dos smartphones, dos tablets, isto é, para a geração do "always on/always connected", ligada 24 sob 24 horas à internet.

Se por um lado existem vantagens evidentes no uso das novas tecnologias (maior autonomia dos trabalhadores na gestão do seu tempo de trabalho) é também evidente que estas novas tecnologias levam a que os trabalhadores estejam cada vez mais disponíveis fora do período normal de trabalho, o que acaba por esbater a fronteira entre o tempo de trabalho e a vida privada e familiar do trabalhador.

Torna-se, assim, cada vez mais veemente a necessidade de se estabelecer um regime específico sobre o Direito à Desconexão.

Efetivamente, o legislador português poderia ter aproveitado a atual reforma ao Código do Trabalho para regulamentar esta temática. Não o tendo feito, apenas nos resta apelar aos parceiros sociais para que, através do diálogo, consigam atingir um tipo de compromisso sobre a "nova" flexibilidade temporal.

De acordo com o relatório anual do Centro das Relações Laborais sobre a evolução da contratação coletiva em 2018, em Portugal apenas duas convenções coletivas regulamentam o direito à desconexão: (i) o acordo de empresa celebrado entre o Banco de Portugal e o Sindicato Nacional dos Quadros Técnicos Bancários e a Federação do Setor Financeiro; e (ii) o contrato coletivo de trabalho celebrado entre a Associação Nacional de Agentes Corretores de Seguros e o Sindicato dos Trabalhadores da Atividade Seguradora.

A escassa regulamentação coletiva sobre o tema demonstra que enquanto não surgir uma norma que preveja o Direito à Desconexão como um direito do trabalhador e que obrigue as empresas em sede de negociação coletiva a preverem e delimitarem a desconexão (à semelhança do que já acontece em França e Espanha), o tema continuará a ficar esquecido nas negociações e o direito ao repouso e à vida familiar e pessoal dos trabalhadores continuará a ser negativamente afetado.

Deste modo, é urgente regulamentar este direito e dar resposta às diversas questões que se vêm colocando, nomeadamente esclarecer-se se: (i) devem ser estabelecidas exceções para determinadas atividades (por exemplo as que operam em diversos fusos horários); (ii) devem ser estabelecidas exceções para determinadas categorias de trabalhadores; (iii) deve ser estabelecido um impedimento de os empregadores contactarem os seus trabalhadores fora do período normal de trabalho ou deverá antes estabelecer-se o direito do trabalhador de não responder às solicitações que receba; (iv) a conexão profissional do empregador com o trabalhador no seu período de descanso pode constituir uma situação de assédio moral.

Uma conclusão é certa, a atual incorporação das novas tecnologias constitui um constante desafio ao Novo Direito do Trabalho e é necessário que este saiba acompanhar tal evolução, combatendo as zonas cinzentas que vão surgindo e que reclamam um enquadramento específico, como é o caso do Direito à Desconexão.

Não foi desta, mas esperamos que seja para breve!

* Advogada na Macedo Vitorino & Associados

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
01/10/19

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