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IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
13/07/19
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Os Bonifácios estão a ganhar
O texto e a polémica que desencadeou mostraram algo verdadeiramente assustador: ver uma parte da direita calada e outra a enquadrar as opiniões racistas com o "sim, mas", onde não faltou o certificado de inferioridade que é o "se os de esquerda não gostam, nós não podemos desgostar".
Como aparentemente toda a gente, li o famoso artigo de Maria de Fátima Bonifácio. Apesar de ser leitor fiel do Público, não acompanho a obra da senhora e não cheguei à coisa através de mensagens de amigos ou da consulta de redes sociais.
Vinha
da tabacaria com os jornais e um nervosíssimo cidadão, que me queria
convencer de que Salazar nunca tinha roubado um tostão e que vivemos
numa ditadura de corruptos , incentivou-me a ler o que a professora
Bonifácio tinha escrito e que, segundo o cidadão, era o que toda a gente
sabia e sentia mas não tinha coragem de dizer.
Não é meu costume seguir os conselhos de pessoas que me dizem aquele
tipo de coisas, mas li um ótimo artigo do Pacheco Pereira e mesmo ao
lado estava a tal obra-prima anunciada pelo cavalheiro que me abordou. A
curiosidade fez o resto.
Nem ser publicado pelo Público me
surpreendeu. Penso conhecer suficientemente a dificílima realidade dos
nossos jornais para ter uma forte suspeita de que ninguém responsável
leu antes aquele chorrilho de alarvidades abertamente racistas, de
mentiras e de estudadas imprecisões. O jornal comprometeu-se com os seus
leitores a não publicar propaganda daquele género e só uma falha pode
explicar a aparição de um manifesto racista.
A propósito, todos os comentários sobre a possibilidade de censura
prévia e cerceamento liberdade de expressão não passam de puros
disparates. Quando um órgão de comunicação social enuncia os seus
princípios, comete um erro claro quando vai contra o compromisso que
estabeleceu com os seus clientes. Outros jornais e televisões não terão
esse código e não falta espaço público para promover todo o género de
indignidades. Se isso é compatível com a nossa Constituição e lei, é
outra conversa.
Ouvi muitas pessoas a dizer que os argumentos
racistas eram tão absurdos que surpreendia que uma pessoa supostamente
esclarecida cometesse tantos erros factuais. Mais uma vez não me
espantei. Não é que eu não saiba que na Academia a ignorância e a
presunção são tão comuns como em qualquer outra atividade, mas,
convenhamos, afirmar que os africanos são todos racistas, que odeiam
ciganos e invocar doutrina formulada pela empregada doméstica lá de casa
é um bocadinho de mais, nem permite que se chegue às barbaridades sobre
a cristandade e a Declaração Universal, afinal, dos direitos dos homens
brancos.
A doutora Bonifácio replicou o que todos ouvimos nos
cafés, lemos em caixas de comentários de jornais e escutamos nos fóruns
de televisões e rádios. Ela sabia exatamente onde queria chegar, onde
estava o seu público e a melhor forma de ser escutada. É fácil perceber
que até os termos e os exemplos são iguais aos daqueles que são por aí
repetidos. Agora, quem os repete pode citar uma senhora historiadora,
professora universitária e que escreve num jornal de referência.
E, claro, o grupo a que pertencer Maria de Fátima Bonifácio terá o apoio
de quem repete os chavões racistas e segregacionistas que a própria
enunciou.
Também nada surpreendentes foram os vários textos dos camaradas da
doutora Bonifácio. Colunistas que se afirmam admiradores da senhora,
gente que compartilha os seus valores políticos, que rejeita até algumas
das afirmações racistas do tal texto, mas... A Liliana Valente,
jornalista do Público, resumiu no Twitter, de forma exemplar,
esse "mas": "E a quantidade de comentários que andam a proliferar por aí
sobre Maria de Fátima Bonifácio que dizem qualquer coisa como "ela foi
racista, factualmente errada, exagerou, mas..." e o que vem a seguir ao
"mas" é normalmente uma maneira racista mas subtil de dizer exatamente o
mesmo. Não todos, diga-se, foram tão longe. Mas nenhum destes senhores
do "mas" afastou inequivocamente a senhora da sua família política,
nenhum afirmou que aquele texto era intolerável. Ficou claro que a gente
que a doutora Bonifácio pretende representar é bem-vinda para a
prossecução de um objetivo político.
O texto e a polémica que desencadeou mostraram algo verdadeiramente
assustador: ver uma parte da direita calada e outra a enquadrar as
opiniões racistas com o "sim, mas", onde não faltou o certificado de
inferioridade que é o "se os de esquerda não gostam, nós não podemos
desgostar".
Esta armadilha em que o centro-direita se está a deixar cair será a
desgraça desse espaço e a criação de um problema gravíssimo na nossa
democracia - que já existe noutras. Ao não se demarcar claramente deste
tipo de discursos racistas e xenófobos ou evidenciando que está disposta
a lidar com normalidade com aquilo, está a deixar uma massa enorme de
votantes do centro-direita órfãos ou a conduzir à sua radicalização.
A grande batalha ideológica, neste momento, está no espaço da direita. É
entre moderados, gente que não tem outra forma de lidar com aquilo que
Fátima Bonifácio escreveu do que lhe chamar puro nojo e afirmar que
aquilo vai contra todos os princípios civilizacionais que defende, e uma
direita que relativiza aquela coisa e não se importa de estar ao lado
das pessoas que concordam com aquilo.
Mais, tinha de ser, até por razões históricas, a direita moderada a
condenar violentamente os e as Bonifácios e defender princípios
fundamentais como a não inversão do ónus da prova, o princípio da
presunção da inocência, a sindicância pelo povo dos poderes judiciais, a
privacidade face ao Estado, o combate contra a lógica da luta de
classes, e que vemos?
Um centro-direita acobardado face a uma direita
radical bem financiada que tem órgãos de comunicação próprios, que
conseguiu ocupar boa parte do espaço de debate público e que rejeita
esses valores primordiais.
As péssimas notícias é que são esses radicais que estão a ganhar.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
13/07/19
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