HOJE NO
"JORNAL DE NEGÓCIOS"
Novo Banco continua às voltas
com o “rei” dos cogumelos
Credor da maioria dos créditos de 60 milhões de euros sobre a Sousacamp, chumbou a proposta de aquisição da maior produtora nacional de cogumelos, que tem “mais de uma dezena” de outros interessados. Entretanto, meteu este ativo na carteira de malparado que colocou à venda.
"É o chamado duplo cogumelo - cogumelo gigante, presidencial, isto é o cogumelo presidencial com este tamanho. Não, tem de ser, este é o Presidente da República e este é o Governo que é mais pequenino. Solidariedade institucional, o Presidente para aguentar o Governo por uns tempos." Presidente da República
A 5 de julho de 2016, Marcelo Rebelo de Sousa, em visita à fábrica da Sousacamp, em Vila Flor, Trás-os-Montes, proferia a sua mais conhecida metáfora sobre estabilidade política, enquanto olhava para os dois fungos que tinha nas mãos, que acabou por provar.
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Nessa altura, o grupo liderado por Artur Sousa apresentava-se
como o maior produtor europeu de cogumelos e um dos maiores do mundo,
com cinco fábricas em Portugal e duas em Espanha, empregando mais de 500
pessoas e uma faturação da ordem dos 50 milhões de euros.
Três
anos depois, a Sousacamp já leva 19 meses em processo de insolvência,
continuando a laborar, agora com 450 pessoas, tendo fechado o último
exercício com vendas de pouco mais de 17 milhões de euros, gerados
essencialmente no mercado nacional, adiantou ao Negócios o gestor
judicial da empresa, Bruno Costa Pereira.
Ao deter 57%
(mais de 34 milhões de euros) do total de créditos da empresa (60
milhões de euros), é ao Novo Banco que cabe decidir o destino da
Sousacamp. O segundo maior credor é o grupo Caixa Agrícola Mútuo, com
15,9 milhões de euros.
Seguem-se três entidades estatais -
o Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas (IFAP), que
reclama a devolução de 4,4 milhões de euros de apoios financeiros, o
Fisco, que tem a haver mais de 2,4 milhões de euros, e a Segurança
Social, a quem foram reconhecidos créditos de 881 mil euros.
Proposta de compra por consórcio estrangeiro chumbado por falta de garantias
Entretanto,
Artur Sousa apresentou recentemente aos credores um plano de
recuperação que passava pela compra do grupo por um consórcio
constituído por dois empresários, um espanhol e outro belga, que
propunha uma injeção de capital de 25 milhões de euros na empresa e
pagar a dívida com perdão até 65% por parte dos credores e diluída em 10
anos.
No mês passado, em assembleia de credores, a
votação do plano ficou em "stand by" por falta das garantias bancárias
exigidas, tendo sido alargado o prazo por mais 20 dias e fixado o dia 17
de julho para uma decisão final.
As garantias financeiras acabaram por nunca chegar, pelo que os credores reprovaram a proposta do consórcio internacional.
E
agora? "A empresa está numa posição de liquidação, o que não significa o
seu encerramento, pois vai continuar a laborar normalmente, sendo certo
que atua num setor de franco crescimento, como é o mercado dos
cogumelos", afirmou o administrador de insolvência, ainda em declarações
ao Negócios.
Bruno Costa Pereira garantiu que, "fruto da
‘publicidade’ que este processo tem tido por via da insolvência, há mais
de uma dezena de [outros] interessados no grupo Sousacamp".
Sem querer identificar os potenciais investidores, afiançou "metade deles são estrangeiros".
"De
forma absolutamente ativa", o gestor judicial vai "agora procurar o
melhor investidor, que queira estar em Portugal e fazer crescer o
negócio".
Novo Banco incluiu créditos da Sousacamp na carteira de malparado à venda
Entretanto,
os fundos internacionais Bain e Davidson Kempner, que apresentaram
propostas para comprar a carteira de crédito malparado que o Novo Banco
colocou à venda, e onde terão sido colocados os créditos sobre a
Sousacamp, oferecem entre 200 e 300 milhões de euros por estes ativos,
noticia a revista Sábado, esta quinta-feira, 18 de julho.
Com
o valor contabilístico desta carteira a ultrapassar os três mil milhões
de euros, a oferta dos dois fundos corresponde a um desconto entre 91 e
94%.
Já o Dinheiro Vivo avança que, além destas duas
ofertas para a totalidade dos ativos em causa, há outras duas,
subscritas pelos fundos portugueses Core Capital e Atena, que estão
apenas interessadas em comprar os créditos de algumas empresas da lista,
entre as quais os relativos à Sousacamp.
"Não tenho
nenhum ‘feedback’ do credor Novo Banco sobre essa matéria", afirmou o
administrador de insolvência quando questionado pelo Negócios sobre o
assunto.
Artur Sousa, o "rei" dos cogumelos
Artur
Sousa, filho de produtores de azeite e cortiça de Vila Flor, distrito
de Bragança, trocou o curso de Engenharia Eletrotécnica, no Porto, pelo
de Microbiologia, em Eindhoven, onde despertou para algo praticamente
inexistente em Portugal: a produção de cogumelos. Voltou para Benlhevai
e, em 1989, investiu 25 mil contos (125 mil euros) na criação da
Sousacamp.
A meio da primeira década do novo século, o
crescimento da produtora de cogumelos determina a expansão fabril para
outras geografias, concretamente para Mirandela, Paredes, Sabrosa e Vila
Real. Depois, adquiriu duas unidades em Espanha. Apresentava-se então
como o maior produtor europeu de cogumelos e um dos maiores do mundo.
Depois
de ter investido 50 milhões de euros – tanto quanto dizia faturar – na
abertura de fábricas em Portugal e Espanha, o grupo arrancou em 2013 com
a construção de uma unidade de produção de cogumelos exóticos e outra
de transformação de cogumelos em conserva (em lata e congelados), em
Vila Real, num investimento orçado em 45 milhões de euros e que iria
criar 200 postos de trabalho.
"Será um dos maiores
complexos do mundo no setor", afiançava Artur Sousa (que tem 60,9% do
capital), em outubro desse ano, numa publicação patrocinada pela
Espírito Santo Ventures (ES Ventures), que detinha 39,1% na Sousacamp.
Apontada
diversas vezes como um "case study", a Sousacamp vinha acumulando
prémios e distinções. Por exemplo, ganhou o 1.º Prémio Nacional de Jovem
Empreendedor (1990) e o Prémio Nacional de Inovação Ambiental (2001)
pelo European Environmental Press e pela revista "Indústria e Ambiente".
Falência do BES marca o início da queda do império sediado em Benlhevai
A
falência do BES, no Verão de 2014, marca o início da queda da
Sousacamp. O Novo Banco "fechou a torneira" ao grupo e vendeu, em 2016,
os fundos de capital de risco ES Ventures, que passaram a ser geridos
pela Armilar Venture Partners, que têm a Sonae como um grande
investidor.
A acumular prejuízos, o grupo aderiu, no final
de 2017, ao Processo Especial de Revitalização (PER), o qual, depois de
chumbado um primeiro plano de recuperação, viria a converter-se no
processo de insolvência em curso.
A principal razão
apontada para a situação em que o grupo se encontra foi mesmo a queda do
BES, que até então [Verão de 2014] estava a financiar a construção da
gigantesca unidade de produção de cogumelos, cuja obra, onde foram já
investidos cerca de 20 milhões de euros, ficou a meio.
* A acrescentar ao histórico de vigarices nacionais.
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