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IN "PÚBLICO"
26/02/19
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Juiz Neto de Moura:
um caso claro de misoginia
Uma vez identificado, um misógino não pode, de maneira nenhuma, continuar a julgar casos de crimes, ou supostos crimes, cometidos contra mulheres.
Não fiquei nada surpreendida com a notícia de que o juiz Neto de Moura proferiu, mais uma vez, um acórdão que beneficia o agressor de uma mulher.
Era algo que já esperava, por dois motivos: o primeiro é que a punição
aplicada ao juiz Neto de Moura por este ter desvalorizado uma agressão
grave, praticada por um homem contra uma mulher, foi demasiado leve; o
segundo é que estamos perante um caso de misoginia, que nunca, desde o
primeiro momento, foi reconhecido e tratado como tal.
Relativamente ao primeiro motivo, a pena disciplinar que o Conselho
Superior da Magistratura decidiu aplicar ao juiz em causa foi uma
advertência registada. Se falarmos com qualquer pai/mãe de crianças,
dir-nos-á que esta punição equivale a uma repreensão, um procedimento
que pune um comportamento inadequado, empregando um tom de voz enérgico e
firme que se aplica mais do que se deveria a qualquer criança a partir
dos dois anos.
Frequentemente utiliza-se esta técnica em situações
que representam, de algum modo, algum perigo para as crianças como, por
exemplo, quando estas tentam colocar a mão num aquecedor. A maioria das
crianças desafia a repreensão, que assimila como efémera: “O pai e a
mãe agora estão zangados, mas vai passar-lhes porque me acham muita
graça e entretanto não haverá consequências.” E não, não estou a
comparar o juiz Neto de Moura a uma criança de dois anos. O Conselho
Superior de Magistratura é que o tratou como o seu bebé que, com o seu
comportamento inadequado, estava a colocar-se em perigo. Havia portanto,
que protegê-lo. Portou-se mal. De novo. E agora?
Quanto ao segundo motivo, há que referir, claramente, que estamos
perante um caso de misoginia. Este termo é utilizado na nossa sociedade
com alguma inibição, porque se lhe atribui o significado redutor de
“ódio, desprezo ou preconceito contra as mulheres, de uma forma geral,
só porque são mulheres”. Segundo a filósofa Kate Manne (Down Girl: The Logic of Misogyny, Oxford, 2018), esta é apenas a “concepção naïf”,
que insiste em tratar o conceito a um nível individual, como uma
característica particular de alguns homens. Isto faz com que seja
politicamente marginalizado porque é descredibilizado a priori, pelo facto de haver poucos homens que odeiem todas as mulheres — até porque a grande maioria tem mães, irmãs, filhas e esposa.
Tem que se olhar para a misoginia como “um fenómeno social e político
com manifestações psicológicas, estruturais e institucionais”, como o
braço armado do patriarcado, um sistema que pune as mulheres que não
cumprem as normas sociais estabelecidas e recompensa as que o fazem.
Não retirando nunca a humanidade às mulheres, bem pelo contrário, Manne
afirma que, nas normas de género que a misoginia supervisiona e impõe,
as mulheres são sempre devedoras dos homens, e, por isso, têm que lhes
dar amor, sexo, conforto, simpatia, atenção, trabalho doméstico não
remunerado, admiração, etc. Por outro lado, as mulheres não podem exigir
nada disto e muito menos usufruir de privilégios considerados
tipicamente masculinos, como ser presidente de um país ou, como é
evidente, cometer adultério. Servindo a misoginia de policiamento do
patriarcado, como já se referiu, tem como objectivo punir as “mulheres
más”, sendo estas as que não dão aos homens o que estes esperam delas e
as que aspiram ou usufruem de privilégios que são só deles.
Atente-se neste excerto de um acórdão do juiz Neto de Moura, de 2016:
“Uma mulher que comete adultério é uma pessoa falsa, hipócrita,
desonesta, desleal, fútil, imoral. Enfim, carece de probidade moral.”
Uma vez identificado, um misógino não pode, de maneira nenhuma,
continuar a julgar casos de crimes, ou supostos crimes, cometidos contra
mulheres.
* Investigadora no projecto Género e Performances do centro de Línguas, Literaturas e Culturas da Universidade de Aveiro.
Activista dos Direitos Humanos.
IN "PÚBLICO"
26/02/19
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