"Arretez de nous emmerder”, Parem de chatear-nos, dizia um cartaz numa
das gigantescas manifestações dos ‘coletes amarelos’ em França. Porque
estão, então, os franceses chateados? Porque o Presidente Macron decidiu
aumentar os impostos sobre o combustível e reduzir as velocidades de
circulação em nome da necessária “transição energética”. Mais de setenta
por cento dos franceses dão razão aos manifestantes, dividindo-se os
demais vinte e tal por cento entre indiferentes e apoiantes do
agravamento fiscal pela dita transição, entre eles contando-se,
seguramente, os mais abonados que já transitam eles próprios em carros
elétricos.
Em tempos os impostos serviam, prosaicamente, para
arrecadar a receita indispensável ao financiamento das múltiplas funções
do Estado. Eram determinados pela necessidade e limitados pelas
possibilidades. Hoje, apresentar a coleta como ela é e sempre foi, é
exercício pedestre e sem arte, embora tenha, em tempos idos, servido
para engendrar o parlamentarismo. Agora, os aumentos de impostos
aparecem encavalitados em motivações virtuosas e específicas, no caso a
“transição energética”, talvez com o propósito de dinamizar o entusiasmo
cívico dos contribuintes. Se o imposto serve para combater as
alterações climáticas a sua legitimidade é mais difícil de contestar
pelo contribuinte-poluidor; se no processo a receita aumenta, trata-se
de uma bem-aventurança que acresce à preservação das calotes polares.
Tinhosos
como é seu timbre, para mais gauleses, os contribuintes em vez de
rejubilarem em família vieram para a rua em numero de setecentos mil,
partindo e queimando mobiliário urbano, num vivo testemunho da sua
bárbara indiferença pela sorte das calotes.
O automóvel é um bem
estimado da pequena burguesia e do povo; muitas vezes é o bem mais
precioso do seu proprietário, o principal ativo da família, num país
onde quarenta e cinco por cento da população não é proprietária da casa
onde vive. Macron e o seu círculo de beautiful people poderão rir-se do
francês médio que observam, com curiosidade antropológica, consagrar
parte do seu fim de semana a limpar e aspirar o seu automóvel, de fato
de treino e ténis, a patinhar em poças de detergente; proibido de usar o
seu carro a gasóleo num numero crescente de cidades e, mais cedo do que
tarde, nas autoestradas, o homem comum continua a pagar o seu crédito
automóvel para um dia ser proprietário de um veículo proscrito e sem
valor comercial. A classe alta e média-alta poderá afetar parte dos seus
recursos a um carro elétrico, através do qual adquire mais que um
veículo, adquire boa consciência sob a forma de responsabilidade
ambiental, um bálsamo muito requisitado por quem vive insulado numa
bolha de privilégio. A indústria também está maravilhada com a
“transição energética” pois sabe que a lei, fiscal e não só, vai
comboiar milhões de pessoas para os stands de automóveis. Empurrado
durante três décadas para o diesel pela indústria, pela fiscalidade e
pela União Europeia, o homem médio descobre que é um poluidor e que o
seu Renault está a destruir o planeta. Vão o Estado e a UE, tão íntimos
da indústria, proteger os interesses do homem comum e suavizar a sua
“transição energética”, subsidiando uma política que vai custar milhares
de milhões de euros? Não. O homem comum financiará a transição
energética dos seus rendimentos estagnados ou decrescentes. Infelizmente
sente que não pode e veio para a rua, por sua livre iniciativa, dizer
de sua justiça numa jacquerie desesperada. Alienado do espaço público,
resta-lhe a rua. Bem podem os acólitos de Macron dizer que os ‘coletes
amarelos’ são uma maquinação da extrema-direita. Não são. É o povo. Eles
veem-no mas já não o reconhecem.
IN "EXPRESSO"
01/12/18
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