.
Em protesto
Não será só em França que há quem se sinta defraudado nas suas espectativas
A
legitimidade do direito à indignação, sempre que medidas políticas
coloquem em causa o bem-estar dos cidadãos é indiscutível em democracia.
Inscrevem-se no inconsciente coletivo os exemplos de campanhas, marchas
de Gandhi, Martin Luther King, Mandela, e outros incansáveis lutadores
por direitos universais de justiça, liberdade e respeito pela dignidade
do ser humano. 50 Anos após o maio de 68, o que está então por detrás
dos protestos dos “coletes amarelos” em França, que têm mobilizado
gentes de proveniência social diversa, à margem de partidos políticos e
associações, com algumas marcas de inquietante radicalismo e violência?
Na
base da revolta, parecem estar reformas políticas introduzidas por
Macron, designadamente agravamento fiscal para os trabalhadores,
retirada de impostos sobre as grandes fortunas, mexidas nas leis
laborais, benéficas para os empregadores, e que muitos cidadãos
consideram, terem aprofundado a desigualdade e o empobrecimento de
largas faixas da população. Há um povo que se sente pressionado por um
crescente clima de precariedade e insegurança no emprego, na vida de
todos os dias, no futuro incerto para si e os filhos, que colocado à
margem de decisões políticas, se vê refém de guerras económicas,
comerciais e financeiras à escala global, chamado agora também a custear
uma reabilitação ambiental, da qual não é o principal responsável,
mediante carga fiscal.
Há questões nos protestos franceses que
por cá, até são partilhadas por altas figuras da cena política
portuguesa: a erradicação dos sem-abrigo, por exemplo, foi recentemente
defendida pelo presidente da república. Eles denunciam verdades que
também sentimos e que surgem na sequência da adoção das mesmas políticas
europeias. A privatização de muitos sectores que eram do estado
resultou na deterioração de serviços e significativa subida de preços
para a bolsa dos cidadãos. E como nós madeirenses sabemos disso! O
exemplo das viagens de avião para a Madeira fala por si...
Não
será só em França que há quem se sinta defraudado nas suas espectativas.
De pobreza, desigualdade, precariedade, salários baixos se constitui,
também por cá, o viver de mutas pessoas... É difícil conseguir custear
alimentação, habitação, cuidados de saúde, educação, transportes,
vestuário, cultura e lazer, auferindo apenas o magro salário mínimo, por
um exercício laboral cada vez mais desvalorizado, desconsiderado e
desrespeitado, mesmo nos novos empregos tão elogiados. É crescente o
número de trabalhadores cujo salário não consegue fazer face a todas as
despesas pessoais e familiares, simplesmente porque o dinheiro não chega
para todos os dias do mês. Ouve-se dizer que a economia está a crescer,
o país aluno exemplar europeu reduziu orgulhosamente o défice, até
consegue pagar dívida antecipadamente, mas a pobreza parece ser o único
horizonte garantido para muitos. Era bom que todos se questionassem
sobre o que deve ser um salário decente para uma vida digna. Espantados
com o protesto?
Todavia, mais do que dizer basta às contradições
políticas entre o que se prometeu em campanha e a desilusão com o
exercício do poder, quando em breve teremos eleições, importa atender
aos protestos que se verificam um pouco pela Europa, acautelando os
radicalismos que escondem propósitos pouco claros. O momento coloca
desafios ao espectro político-partidário e exige lucidez. Atenção ao
apontar de dedos acusatórios, que no passado deram origem a
totalitarismos, que custaram milhões de vidas e envergonham a
humanidade. No limite, fruto de contradições políticas, de uma União
Europeia fechada em cânones incompreensíveis ao cidadão comum, é o
projeto europeu e a própria democracia que estão em risco. Talvez seja
esse o simbolismo do colete do protesto...
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
14/12/18
.
Sem comentários:
Enviar um comentário