15/12/2018

JÚLIA CARÉ

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Em protesto

Não será só em França que há quem se sinta defraudado nas suas espectativas

A legitimidade do direito à indignação, sempre que medidas políticas coloquem em causa o bem-estar dos cidadãos é indiscutível em democracia. Inscrevem-se no inconsciente coletivo os exemplos de campanhas, marchas de Gandhi, Martin Luther King, Mandela, e outros incansáveis lutadores por direitos universais de justiça, liberdade e respeito pela dignidade do ser humano. 50 Anos após o maio de 68, o que está então por detrás dos protestos dos “coletes amarelos” em França, que têm mobilizado gentes de proveniência social diversa, à margem de partidos políticos e associações, com algumas marcas de inquietante radicalismo e violência?

Na base da revolta, parecem estar reformas políticas introduzidas por Macron, designadamente agravamento fiscal para os trabalhadores, retirada de impostos sobre as grandes fortunas, mexidas nas leis laborais, benéficas para os empregadores, e que muitos cidadãos consideram, terem aprofundado a desigualdade e o empobrecimento de largas faixas da população. Há um povo que se sente pressionado por um crescente clima de precariedade e insegurança no emprego, na vida de todos os dias, no futuro incerto para si e os filhos, que colocado à margem de decisões políticas, se vê refém de guerras económicas, comerciais e financeiras à escala global, chamado agora também a custear uma reabilitação ambiental, da qual não é o principal responsável, mediante carga fiscal.

Há questões nos protestos franceses que por cá, até são partilhadas por altas figuras da cena política portuguesa: a erradicação dos sem-abrigo, por exemplo, foi recentemente defendida pelo presidente da república. Eles denunciam verdades que também sentimos e que surgem na sequência da adoção das mesmas políticas europeias. A privatização de muitos sectores que eram do estado resultou na deterioração de serviços e significativa subida de preços para a bolsa dos cidadãos. E como nós madeirenses sabemos disso! O exemplo das viagens de avião para a Madeira fala por si...

Não será só em França que há quem se sinta defraudado nas suas espectativas. De pobreza, desigualdade, precariedade, salários baixos se constitui, também por cá, o viver de mutas pessoas... É difícil conseguir custear alimentação, habitação, cuidados de saúde, educação, transportes, vestuário, cultura e lazer, auferindo apenas o magro salário mínimo, por um exercício laboral cada vez mais desvalorizado, desconsiderado e desrespeitado, mesmo nos novos empregos tão elogiados. É crescente o número de trabalhadores cujo salário não consegue fazer face a todas as despesas pessoais e familiares, simplesmente porque o dinheiro não chega para todos os dias do mês. Ouve-se dizer que a economia está a crescer, o país aluno exemplar europeu reduziu orgulhosamente o défice, até consegue pagar dívida antecipadamente, mas a pobreza parece ser o único horizonte garantido para muitos. Era bom que todos se questionassem sobre o que deve ser um salário decente para uma vida digna. Espantados com o protesto?

Todavia, mais do que dizer basta às contradições políticas entre o que se prometeu em campanha e a desilusão com o exercício do poder, quando em breve teremos eleições, importa atender aos protestos que se verificam um pouco pela Europa, acautelando os radicalismos que escondem propósitos pouco claros. O momento coloca desafios ao espectro político-partidário e exige lucidez. Atenção ao apontar de dedos acusatórios, que no passado deram origem a totalitarismos, que custaram milhões de vidas e envergonham a humanidade. No limite, fruto de contradições políticas, de uma União Europeia fechada em cânones incompreensíveis ao cidadão comum, é o projeto europeu e a própria democracia que estão em risco. Talvez seja esse o simbolismo do colete do protesto...

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
14/12/18

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