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IN "VISÃO"
07/12/18
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Com quatro dedinhos apenas
António Costa imitou Jorge Jesus e ergueu quatro dedos, celebrando a “cabazada” do tetra-Orçamento. Mas enfermeiros, guardas, estivadores, juízes e professores mostram-lhe que o jogo ainda não acabou
Há uns anos, o treinador Jorge Jesus, então no Benfica, ergueu quatro
dedos, exibindo-os perante o seu colega do Nacional da Madeira. A sua
equipa acabava de marcar o 4.º golo e estava a ganhar por 4-0. Manuel
Machado, o técnico “madeirense”, não perdoou a Jesus a falta de
fairplay, tendo, depois, falado de “vinténs” e de “cretinos”. Há poucos
dias, António Costa imitou Jorge Jesus. PSD e CDS ocupavam, nas bancadas
parlamentares, o lugar que Manuel Machado ocupava no banco do Nacional,
quando António Costa, no dia da aprovação do 4.º Orçamento do Estado da
Legislatura, perante as câmaras de TV, ergueu bem alto quatro dos seus
dedos.
Isto é: o gesto destinava-se a todos quantos
puseram em causa a viabilidade da “geringonça”, pelo que os parceiros à
esquerda deviam ficar contentes. Mas talvez não tenha sido bem assim. O
gesto de Costa é uma declaração de vitória pessoal – e isso também os
atinge. O jogo ainda não acabou.
A um ano de eleições, já se percebeu que o primeiro-ministro vai
pagar, em poucos meses, a paz social que andou a comprar durante três
anos de estado de graça. Justiça, Saúde, Educação e transportes são as
várias frentes de combate com que se deparam alguns dos seus ministros
(Francisca Van Dunen, Marta Themido, Tiago Brandão Rodrigues e Ana Paula
Vitorino). E todos têm dado sinais de desorientação política, o que
deve ser cobrado, não aos próprios, mas aos ministros mais políticos do
Governo, a começar pelo primeiro “inter pares”. Van Dunen, confrontada
pelo protesto dos guardas prisionais, mostra superficialidade e candura.
Themido, perante o caos provocado pelos enfermeiros, revela timidez e
ausência. Brandão Rodrigues, no longo barço de ferro com a Fenprof,
manifesta esgotamento e entrincheiramento. E Ana Paula Vitorino, no caso
dos estivadores, alardeia impotência e irritação.
Hospitais,
prisões e escolas estão ameaçadas pelo caos. Seguem-se os bombeiros e os
comboios. E outros estarão à espera do resultado que consigam os
professores para cercar o Governo numa onda de exigência total, na
questão das reposições salariais pelo tempo de serviço congelado.
Parafraseando António Costa, agora noutro contexto, o que está em causa é
a “catástrofe orçamental”.
A paralisação dos enfermeiros terá
obrigado à suspensão de cerca de 5 mil cirurgias. Só em Coimbra, são
mil. Será necessária uma década para normalizar o serviço. O protesto já
afeta crianças e doentes de cancro. O sindicato, ou o Estado, ou ambos,
arriscam ser responsabilizados, política e criminalmente, pelo aumento
da morbilidade da população utente do SNS e, pior ainda, por eventuais
óbitos decorrentes da falta de assistência. A situação incomoda
pacientes e famílias a um nível insuportável, prejudicando a Segurança
Social e a própria produtividade - logo, o PIB.
A greve
intermitente dos juízes e o braço de ferro dos oficiais de Justiça
atrasa ainda mais uma função de soberania que já de si se enreda num
novelo de morosidade inimiga da economia e do investimento – com as
consequentes sequelas no PIB.
O beco sem saída do boicote ao
trabalho dos precários do Porto de Setúbal – talvez a luta mais justa
das que estão no terreno… - põe em causa a continuidade laboral do nosso
maior exportador, a Autoeuropa, com todas as consequências que isso
pode acarretar para a economia da populosa região da Península de
Setúbal que, mais coisa menos coisa, gira toda à volta da unidade fabril
de Palmela.
Para não falar da própria sustentabilidade da atividade
portuária, numa cidade tradicionalmente vulnerável a crises sociais. Nem
é preciso referir, de novo, o PIB…
Falar destes três casos é
falar de economia e do crescimento do País – ou da falta dele. E o
Governo devia ser mais pró-ativo, se não estivesse manietado pela sua
própria narrativa de sucesso e paralisado pelo auto-contentamento do
tetra-Orçamento da “geringonça”.
Mas
há mais: a luta perpétua dos professores, que acaba de entrar, nas
palavras de Mário Nogueira, na fase de “guerra total”, ameaça vir a
afetar o último ano letivo do mandato do Governo, com consequências
ainda difíceis de antecipar no rendimento dos alunos e, sobretudo, na
sua avaliação: a greve aos exames costuma ser uma arma difícil de
combater pelo poder político.
E a longeva luta dos
guardas prisionais ameaça colocar um problema de segurança pública e
alarme social dentro e fora das prisões, tudo a contribuir para o clima
de falência dos serviços públicos cruciais e potenciação do
descontentamento geral da população.
Funcionários judiciais, professores, juízes, guardas e enfermeiros
querem, afinal, aquilo que a troika lhes levou e o setor privado nunca
terá: “dignificação das carreiras”, “descongelamento de promoções”,
“reposição dos salários referentes ao tempo congelado”. Quem pagaria
tudo isto? A resposta é: os impostos de todos, sobretudo os do setor
privado, que foi ainda mais fustigado pela troika (para além dos males
que atingiram a Administração Pública, levou ainda com o flagelo do
desemprego). Ou seja, os que teriam de pagar todas estas reivindicações
são, em primeiro luigar, os que nunca terão direitos equivalentes a
elas. E se é indesmentível que Passos Coelho tentou virar trabalhadores
contra trabalhadores, dividir entre a função pública e o privado, também
é verdade que tal desígnio nunca medraria se não houvesse condições
objetivas para a cultura do ressentimento. Como está, de novo, a
verificar-se.
O clima geral de animosidade e convulsão laboral
afetará as famílias, condicionará o quotidiano da população e espicaçará
a má disposição dos eleitores. Resta saber se o Governo tem condições
para controlar os danos e passar a navegar, agora, em mar encapelado,
bem diferente da calmaria laboral dos últimos anos. E se a António
Costa, obcecado pela tetra-orçamento, ainda lhe sobra capacidade para
voltar a demonstrar o seu talento de negociador. Ou se, pelo contrário,
perdeu esse toque de Midas que transformava a poeira sindical no ouro da
paz social.
Mas o secretário-geral do PS tem, também, de
queixar-se de si próprio. A mensagem incontinente das reposições
salariais, da recuperação do poder de compra, do virar de página da
austeridade e da terra onde corre o leite e o mel tem agora a fatura de
convulsões laborais que podem provocar o colapso de serviços públicos
fundamentais e lançar o pânico no Governo. Depois de aumentar, para lá
do razoável, as expetativas da retoma e da alternativa ao programa
liberalizante da direita, António Costa pode estar, agora, prisioneiro
no seu próprio labirinto.
No que ao PCP diz respeito, a luta
continua. À falta de melhor, Jerónimo de Sousa é, neste momento, o
virtual líder da oposição. Esqueçam a aprovação do Orçamento para 2019: o
que os comunistas puderem fazer para recuperar um eleitorado que
parecia estar a fugir para o PS, nas autárquicas de 2017, com certeza
que farão. A ironia da política acabará por unir esquerda e direita no
mesmo interesse comum: impedir a maioria absoluta do PS.
PCP e BE
sabiam que chumbar o Orçamento, este ano, teria sido oferecer a maioria
absoluta, de mão beijada, ao PS. Aprovando-o, podem manter o Governo em
lume brando, em 2019, e tentar retirar-lhe essa possibilidade. Como
ensina Lenine, a revolução avança por saltos em frente. O PCP, que é
relevante na rua, usará todas as armas para não voltar à irrelevância no
Parlamento. Não há “acordos de posição conjunta” grátis. Quatro dedos
não chegam para dar a mão.
IN "VISÃO"
07/12/18
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