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* Lider parlamentar do Bloco de Esquerda
IN "PÚBLICO"
23/10/18
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Cavaco Silva: a assombração
No que toca aos maus exemplos do Portugal democrático, Cavaco Silva tem a caderneta cheia.
Cavaco Silva lança hoje um novo livro com as memórias do seu segundo
mandato presidencial. Diz o ex-inquilino de Belém que, assim, termina a
prestação de contas aos portugueses. É verdade que o país tem muitas
contas a ajustar com Cavaco Silva, mas não creio que isso se resolva com
livros de (más) memórias. Da minha parte, dispensava essa assombração.
O curriculum de Cavaco Silva quase parece cadastro. No que
toca aos maus exemplos do Portugal democrático, Cavaco Silva tem a
caderneta cheia: desperdício de milhões de euros de fundos europeus,
ludíbrio das famílias que perderam muitas poupanças nas promessas de um
capitalismo popular e privatizações de empresas públicas estratégicas ao
desbarato.
Para quem está a pensar que, pelo menos, o professor não esteve
envolvido em nenhum escândalo de corrupção, recordo três letrinhas
apenas: BPN. O processo do Banco Português de Negócios está no pódio das
fraudes do século XXI e teve como grandes protagonistas os amigos e
discípulos de Cavaco Silva.
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Eu leria com muito mais interesse as memórias desses anos do BPN e da
SLN, mas o ex-Presidente sobre isso sempre teve uma curiosa memória
seletiva. Seria mais útil essa informação, porque talvez pudesse ajudar o
Estado a recuperar parte dos quase quatro mil milhões de euros que teve
de meter no buraco laranja. Contas feitas, são cerca de 366 euros que
cada contribuinte teve de pagar pelo buraco criado pelas negociatas do
BPN. Ver esse dinheiro de volta seria o mais importante serviço público
que Cavaco Silva podia prestar ao país. Sr. professor, pense nisso.
Mas, regressando ao livro que hoje chega às bancas, diz-se que se
debruça em particular sobre dois períodos: a fase irrevogável de Paulo
Portas e a criação da “geringonça”. À acusação de infantilidade dirigida
ao antigo líder do CDS, deverá ser o próprio a responder. Agora, não há
novidade na sua falta de patriotismo, como demonstrou a permanente
subserviência a Bruxelas.
Já no que toca ao período que se seguiu
às eleições de 2015, a revisitação histórica de Cavaco Silva roça o
absurdo. Este arauto da desgraça, que fazia as delícias dos velhos do
restelo, escreve no livro que não duvidou que a “geringonça” veio para
ficar. Cavaco interpreta Cavaco para nunca ficar mal na fotografia. O
único problema é que esta mentira não é minimamente credível, como todo o
país testemunhou.
Cavaco Silva ensaiou uma crise política a
seguir às eleições legislativas. Foram 50 dias em que o país ficou refém
do choque cavaquista com o resultado eleitoral. Para ele, os votos no
Bloco de Esquerda e no PCP nunca poderiam influenciar um governo, eram
votos de segunda na sua enviesada conceção da democracia portuguesa. A
direita estava agarrada ao poder e Cavaco Silva o principal ator deste
braço de ferro. No fim, venceu a Constituição e o voto popular, perdeu a
visão redutora e enviesada de Cavaco.
Para a história ficará a
sua intervenção pública na indigitação de António Costa para formar
governo. Se alguém quiser saber o significado de azia política tem nesse
ato um exemplo magistral. Vencido perante o Parlamento, Cavaco Silva
expôs aí o seu desejo de um desfecho trágico para a solução política que
estava a dar os primeiros passos. Quatro anos depois, o livro expõe
essa acidez monumental.
As vitórias que o país alcançou desde 2015
contam-se como derrotas profundas de Cavaco Silva. O aumento do Salário
Mínimo Nacional, que em quatro anos subirá 95 euros mensais, não causou
desemprego nem recessão económica. A realidade mostrou como foi
essencial para a criação de emprego desmontando a teoria neoliberal de
Cavaco.
As contas públicas não colapsaram com a eliminação dos cortes salariais,
o aumento dos apoios sociais, a eliminação da sobretaxa de IRS ou com o
aumento das pensões. E até a poupadinha pensão do professor foi
beneficiada, mostrando que não guardamos ressentimentos.
A realidade demonstrou o quão errado estava Cavaco Silva. Era possível parar a austeridade. Não nos deixa saudades.
* Lider parlamentar do Bloco de Esquerda
IN "PÚBLICO"
23/10/18
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