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IN "DINHEIRO VIVO"
21/10/18
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1773
Senso d'hoje
LUÍS
MÁXIMO DOS SANTOS
VICE-GOVERNADOR
BANCO DE PORTUGAL
“Sem venda do Novo Banco teríamos
um elefante na sala”
A ENTREVISTA AO "DINHEIRO VIVO"
“É tempo de reformar a União Europeia” e
“temos de conseguir que a esperança se sobreponha ao medo”, disse Máximo
dos Santos, em entrevista, mostrando preocupação com a fragilidade
económica da Itália e da União Europeia. Mas foi o panorama financeiro
nacional que mais minutos ocupou nesta conversa, onde, diz, sobre o Novo
Banco, que “sem a venda teríamos um elefante na sala, sem solução”.
O governo reserva 800 milhões de euros neste OE 2019 para o Novo Banco. É
uma reserva, mas podemos dar como certa uma nova injeção no Novo Banco?
De facto, o governo o que faz é cumprir um acordo que está estabelecido
no sentido de se prever que até um valor máximo de 850 milhões de euros
possa haver um financiamento ao Fundo de Resolução para que, se for
necessário, este possa assumir os seus compromissos no quadro do
mecanismo de capital contingente, que foi uma das peças essenciais para a
venda do Novo Banco (NB). Se é certo ou não – e não estou a fugir à
pergunta -, é impossível dizer, porque, em bom rigor, este valor é
estimado relativamente às contas a 30 de junho e, portanto, só quando no
final do ano se fizer a avaliação de toda a situação é que poderemos
saber o que vai acontecer.
Referimo-nos a 2019?
Sem dúvida. O valor é considerável, mas há variáveis que têm de ser
tidas em conta para o cálculo final e, sem elas, é prematuro.
O que teria de acontecer para que não houvesse essa injeção?
Um dos elementos tem que ver com a evolução do banco, mas também com os
rácios de capital e isso está dependente de algumas avaliações no
contexto europeu que depois impactam nas necessidades que podem vir a
verificar-se ou não. O mero incurso em perdas, só por si, de maneira
nenhuma justifica o acionamento do mecanismo, é uma combinação de
sabermos (e sabemos neste momento) o que está nos ativos abrangidos pelo
mecanismo de capital contingente e depois vermos o comportamento do
banco e os rácios do capital que se verificam. Sobre o NB, gostaria de
sublinhar um ponto importante: percebo que se olhe para estes valores e
se entenda que são valores – e são – bastante elevados. Em qualquer
caso, é preciso sublinhar o seguinte: a venda do NB que o Banco de
Portugal, enquanto autoridade de resolução, teve ocasião de fazer,
constituiu um marco importantíssimo para a evolução positiva do sistema
financeiro português, e não sou eu que o digo; isso foi sublinhado em
relatórios do FMI, em relatórios de agências de rating, ou seja, quando
temos de pôr na balança o que estamos a pagar, em rigor é o Fundo de
Resolução, que é financiado por contribuições do sistema. Apenas na
ausência de recursos é que há este mecanismo de financiamento, que são
os empréstimos do Estado. Mas se esta venda não se tivesse efetuado,
haveria outros custos. Se isso não tivesse acontecido, essas subidas de
rating e o olhar bastante mais positivo para o conjunto do nosso sistema
financeiro, certamente não se verificaria, porque teríamos um elefante
na sala sem solução. E agora, pelo menos, temos de facto um banco que
está a fazer o seu percurso, embora com um legado pesado, e sob pressão
regulatória, no sentido de as autoridades do Banco de Portugal quererem
reduzir o elenco dos NPL, os ativos não produtivos. Isso é uma pressão
sobre a gestão, mas o banco tem feito um caminho e sobretudo as contas
finais desta operação só podem considerar-se no momento em que a
participação no Fundo de Resolução for também ela vendida, porque essa
participação vai ter um valor e, quanto melhor o banco estiver nessa
data, maior será o valor dessa participação. Portanto, isso significará
que a estas contribuições teremos depois de deduzir o valor de encaixe
que o Fundo de Resolução terá.
Pode ser preocupante, no futuro, a situação do Fundo, devido às
garantias prestadas e aos possíveis encargos, uma vez que registou um
défice de recursos próprios de 5,1 mil milhões em 2017?
Não é evidentemente a situação ideal. Sabemos todos a história de como é
que o Fundo de Resolução começou. De qualquer modo, o cumprimento das
suas obrigações está assegurado mediante o planeamento das contribuições
que está a ser feito e, no caso do mecanismo de capital contingente,
esses financiamentos. Mas quanto maior for o peso da dívida, mais
onerará o Fundo.
O Fundo pode recuperar montantes com essa venda?
Pode e tem-no feito.
O NB teve a evolução esperada?
Não sou gestor do NB, portanto, quem pode responder é só a administração
e o seu acionista maioritário. Porquê? Porque, primeiro, a
administração administrou, como é óbvio, e, quanto ao acionista
maioritário, ficou estabelecido no acordo de venda que o Fundo de
Resolução não teria presença no conselho de administração. Poderia
tê-lo, curiosamente até nem foi o acionista privado que se opôs, foi no
contexto das negociações do Estado com a direção-geral da Concorrência
que se entendeu que isso seria sinal de uma presença muito intrusiva do
Estado, e como havia um pouco a ideia, fundamental, de o banco cessar o
estatuto de banco de transição, esse entendimento prevaleceu. O que lhe
posso dizer é que, acompanhando os limites estritos dos poderes que o
Fundo tem, considero que a situação do NB tem sido uma maneira de se ter
conseguido uma reestruturação do ponto de vista dos custos… e, é
inevitável, há que dar algum tempo, porque ao fim e ao cabo a venda está
apenas a fazer um ano. Em muitos outros países na Europa, bancos de
grande dimensão só ao fim de muitos anos é que conseguiram recuperar.
Como vê a possibilidade de o Estado tomar uma parte do capital em bancos
devido ao exercício da conversão de direitos em capital? Até no âmbito
do regime de créditos fiscais?
Essa é uma pergunta que tem de fazer ao Estado. O que posso dizer é que
temos um banco público que é o maior do nosso sistema e, no entender de
muitos, essa é a posição adequada para a participação de capital público
no sistema financeiro.
Mas não o choca ou surpreende?
Dependerá da avaliação de cada situação e do seu enquadramento, mas em
geral diria que a presença O crédito é fundamental, mesmo até o crédito
ao consumo, que não é nenhum pecado, não devemos diabolizá-lo, mas não
podemos cair em erros passados, porque o excesso de endividamento dos
agentes económicos em geral continua a ser um grande peso e devemos ter o
cuidado de que haja prudência. pública no nosso sistema financeiro está
bem assegurada por um banco com a dimensão da CGD.
O novo crédito às famílias continua a
crescer. As recomendações do Banco de Portugal e o agravamento do
imposto de selo previsto no OE serão suficientes para evitar um cenário
de bolha?
Neste ponto o que está a ser feito é mesmo aquilo que devia ser: não
podemos nem estar desatentos nem precipitarmo-nos. Creio que a medida
macroprudencial que está em vigor desde 1 de julho reflete esta postura.
Isto é, o Banco de Portugal, constatando que o nível de endividamento
das famílias é alto comparando com o que se passa em termos
internacionais, verificando que as taxas de juro se mantêm baixas, que o
crédito se manteve deprimido durante bastante tempo – isso também é um
fator para as pessoas se endividarem -, considerou que muito embora não
se verifique um risco para a estabilidade financeira no curto prazo, se
estes fatores forem em crescendo poderíamos assistir aqui a um quadro de
uma redução excessiva de alguma restritividade nos critérios da
concessão de crédito, e não é isso que se pretende. O crédito é
fundamental, mesmo até o crédito ao consumo, que não é nenhum pecado,
não devemos diabolizá-lo, mas não podemos cair em erros passados, porque
o excesso de endividamento dos agentes económicos em geral continua a
ser um grande peso e devemos ter o cuidado de que haja prudência. Estou
crente de que as instituições, até pelos maus resultados que tiveram,
também farão essa avaliação, mas no fundo, às vezes, há dinâmicas de
concorrência que podem fazer perder mais de vista uma dimensão de médio
prazo.
E como é que é feita essa verificação de que não há abusos?
Há um diálogo. Para já as instituições fornecem informação ao banco e
nos termos da própria medida, na sua monitorização, creio que seis meses
é um bom período para isso. E, no final do ano, será feita uma
avaliação com rigor, porque temos de detetar e fazer um relatório muito
preciso.…
De acordo com o que chegou até agora ao BdP, parece-lhe que há muitas
situações de abuso?
Não é uma questão de abuso, as próprias instituições podem, em
determinados casos, ter a faculdade de explicar perante a instituição
Banco de Portugal porque não acompanham neste ou naquele caso a
recomendação. Como digo, um retrato rigoroso disto ao fim de seis meses é
um período razoável. Creio que a circunstância de esta questão ter
emergido para o debate público foi muito positivo, porque é uma pressão
adicional para um cumprimento rigoroso da regulação sobre a
solvabilidade e dos critérios que a medida em si contém.
Foi essa a intenção do supervisor, colocar a questão na agenda?
Não, não se trata de uma estratégia mediática.
De pressão, para que os comportamentos se moldem?
É uma medida típica deste género de situações e que outras autoridades
também seguiram, ou seja, preventivamente e tendo em conta o histórico e
características do nosso mercado avançamos com estes critérios mais
restritivos. Não vale a pena esconder que a medida é macro, mas depois
pode ter efeitos micro em clientes em concreto. Mas não se trata de pôr
na agenda, trata-se de dar resposta a um problema real.
Se estas recomendações não forem respeitadas, o Banco de Portugal admite
avançar para um novo instrumento sancionatório. Chegaremos a esse
ponto?
Aí é antecipar um bocadinho uma coisa que não sabemos. A existência de
quadros sancionatórios na atividade de supervisão é muito importante,
porque lhe dá credibilidade. As sanções… tenho a responsabilidade do
departamento de averiguação e de ação sancionatória. Agora, o objetivo
da supervisão em si não é apenas sancionar. Quando estamos a sancionar
estamos já a constatar que alguma coisa correu mal e o que se pretende é
anteciparmo-nos a isso, falar com as instituições, sensibilizá-las,
ouvi-las e, no fundo, responsabilizá-las também.
No fundo essa antecipação passa por uma supervisão comportamental, onde o
Banco de Portugal quer apostar mais?
Não é tipicamente domínio comportamental. Estamos numa área que pode
sê-lo em determinadas circunstâncias, mas ainda não estamos nesse caso.
Se houver determinações específicas, que é um dos instrumentos que o
banco tem, e elas não forem cumpridas, pode dar origem a sanções. Para
já estamos num plano estritamente macroprudencial porque, ao fim e ao
cabo, o que a medida tem em vista é a prevenção de riscos sistémicos
evitando que uma concessão de crédito aligeirada, mais vulnerável a
evoluções da conjuntura, possa pôr as instituições em dificuldades.
O Banco de Portugal poderia atuar melhor se tivesse mais poderes de
supervisão?
É difícil responder a essa pergunta para todo o tipo de supervisão que
se faz no banco. Hoje, o quadro regulatório na supervisão prudencial é
um quadro europeu. Na supervisão comportamental também tem um conjunto
de diretivas que enquadram, a diferença é que para efeitos
comportamentais a supervisão é feita numa base nacional e no quadro
prudencial é feita num mecanismo único de supervisão. Deve-se procurar
extrair todas as potencialidades das regras que existem, e são muitas,
reconheço isso.
O aumento das coimas para as falhas de comunicação de transferências
para offshore está previsto no OE. Concorda? Vai ter realmente efeito
nos bancos?
Tudo o que seja para aumentar a transparência, designadamente com essas
entidades, é bem-vindo, porque todos sabemos que são entidades em que se
acumulam problemas. Pode ser um dos casos em que as sanções existentes
não eram suficientemente dissuasoras, mas é uma matéria do OE e ao Banco
de Portugal, por definição, não lhe cabe comentar a Lei do OE.
O Orçamento também prevê mais dividendos do Banco de Portugal. Acha
natural ser esse caminho de o banco dar cada vez mais dinheiro ao
Estado?
Não é necessariamente esse o caminho. O que se passa é o seguinte: como
qualquer empresa, o banco tem de ter uma política de provisionamento dos
riscos, porque os tem e são bastantes, e a finalidade do Banco de
Portugal não é produzir dividendos. Mas, se esse objetivo for alcançado,
tanto melhor.
Os valores são razoáveis?
Os valores são sempre razoáveis se tiverem medidas corretas.
É o caso?
Vamos ser claros: é o caso de 2017 em que as contas já foram aprovadas.
Quanto aos próximos… é prematuro, porque as contas do banco não estão
fechadas.
O governo já inscreveu a verba do que espera do Banco de Portugal?
Por isso é que lhe digo que não comento o OE. O que posso dizer é que
teremos de esperar pelo evoluir do ano, até ao fecho das contas. Depois,
o conselho de auditoria dará o seu parecer e só nesse momento é que
podemos estar certos.… Pode haver fatores de instabilidade que mudam os
números. É uma matéria que é mesmo assim.…
No que toca ao panorama nacional, o pior já passou para os bancos ou uma
nova crise poderá vir a atirar algum banco para uma situação de
resolução?
Ninguém previu a crise anterior, e permitam-me um tom ligeiro – sou
tentado às vezes a dizer que quando toda a gente está a prevê-la, é
porque não vai acontecer.
Está otimista?
Não se trata disso. Pesam evidentemente riscos vários porque há placas
tectónicas da economia internacional que se estão a mexer. Dizer que não
vai haver mais crises, isso não seria minimamente razoável porque as
crises são inerentes à dinâmica da atividade económica. O que já não
seria muito normal, é que, olhando para a dimensão que a crise de 2008
teve, que foi a maior depois de 1929, seria muito estranho que esta
crise se repetisse num período relativamente curto, porque algo estaria
realmente muito mal. A evidência histórica demonstra que crises com esta
dimensão só se dão em períodos longos. Mas há novos riscos, novas
realidades, uma economia nova que está em marcha, que é a do digital, e
que nós não dominamos a todos os níveis, porque o crédito malparado não
surge só por má gestão, muitas vezes sim, mas outras vezes não.
IN "DINHEIRO VIVO"
21/10/18
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