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Aga Khan
O que está Aga Khan a fazer para que a sua comunidade se não esfume? Que ligação tem cada um dos seus cordeiros com aquele que será seu sucessor?
Há
uma pergunta que é feita amiudadas vezes e que, até hoje, não teve uma
resposta cabal, completa. Ela é: o que faz dos ismaelitas um povo
diferente?
As poucas tentativas de dar caminho a este questionamento vão todas no sentido de se consagrar o exemplo do seu imam, mas tal pronunciamento é muito redutor.
Claro
que, nestas décadas que leva de chefe espiritual, Aga Khan conseguiu o
feito único – o de ser reconhecido no mundo ocidental com Chefe de
Estado e ter garantido as portas abertas de todas as chancelarias. Não é
coisa simples nem fácil, tal decorre da construção de uma “imagem” do
ser ismaelita que faz deste povo, tão errante quanto o povo judeu, tão
capaz de criar e tão prudente na relação com as sociedades em que se
instala, que consagrou casta, elegeu respeito e consumiu fortuna.
Sim,
há neste povo um desejo de crescer em matéria, de se consagrar em vida
mundana. A comunidade é ensinada a olhar a riqueza como um estádio, um
estatuto, a que todos podem chegar. Nesta leitura de existência há muito
de protestante, de simplificação da vida terrena revelada pena. Este
foi o campo conquistado por Aga Khan, o atual e o seu avô, que
possibilitou a não contestação, que nunca implicou na zelotipia que
estas comunidades sempre comportam.
Os 15 milhões de ismaelitas liderados pelo príncipe sem principado, pelo estadista sem Estado, pelo imam
sem formação teológica, encontraram, na linha da disponibilidade para o
outro, o alfa e o ómega que os fazem ser diferentes. E em que é que
isso se converte? Na permeabilidade com que se integram, na elaboração
com que se relacionam, na inteligência plástica que os faz fortes mesmo
que poucos e deslocados.
Aga Khan, que já leva seis décadas de liderança da comunidade, construiu uma interessante holding onde as diversas linhas de produção e as diferentes gamas de produto se afirmam.
Há,
desde logo a imensa riqueza pessoal que não se despolimeriza e que se
verifica aumentada a cada tempo. Claro que o ser chefe máximo não pode
desgraduar o espaço restrito, seu e de sua família, dele e dos
seguintes. A esta riqueza junta-se a que se vai consolidando no lado da
sua Fundação. Esta, nascida de uma parte dos seus salvatérios, ganhou
vida própria e assume um crescimento (do que se conhece) imparável em
ativos financeiros e em criação de inteligência. Por último, a
componente religiosa, garantidamente autónoma, que também dispõe de um
elevado alforge de recursos por onde se apoia a comunidade espalhada
pelo mundo e a estrutura. Dessa comunidade resulta também uma doação
anual muito significativa que se destina a obras sociais e ao apoio a
catástrofes.
Ismael, primogénito de Abraão, indica o início. Assim
concede o livro primeiro que hebreus e cristãos elegem como Génesis.
Mas Maomé, na sua consagração fundadora, terá ido buscar esse Ismael
para o fazer relevante e garante da fidelidade inicial. Por isso, há
quem diga que os ismaelitas são os verdadeiros filhos e continuadores do
espírito que une as religiões monoteístas.
A verdade é que os
islamitas foram tendo, ao longo dos séculos, uma espécie de dom
intemporal que os garantiu. Acharam-se pelo mundo e resistiram,
afirmaram-se porque sempre olharam para Deus como que o seu único Senhor
e sua única garantia, sem intermediários e sem reinvenções carismáticas
desnaturadas.
Não se mostrava necessário, até ao Século XX, que
reis e príncipes tivessem “terra” para liderarem a sua gente. Em África,
em parte da Ásia, até em alguns territórios da Europa de Leste, imensas
comunidades garantiam estruturas sociais e hierarquias de reverencia
muito próprias e, por longínquas, completamente autónomas. Nas últimas
nove décadas tudo se transformou de forma avassaladora, menos para os
ismaelitas que se mantiveram ligados por uma razão mais forte que a
própria razão pós- iluminista.
Estando pelo mundo, existem e quase
não se dá conta deles que não seja por pequenos sinais. E, no tempo da
circulação global, os ismaelitas serão ainda mais fluidos. Só se revelam
e revelarão em momentos cíclicos, só se conhecem porque alguém
recomenda a sua liderança. O problema está no futuro. O que está Aga
Khan a fazer para que a sua comunidade se não esfume? Que ligação tem
cada um dos seus cordeiros com aquele que será seu sucessor?
Perguntas
em aberto e que talvez possamos ir descobrindo para a resposta a partir
de 2019, quando Lisboa for um centro político destes 15 milhões de
almas de Deus. E, recuperando por agora o Sermão da Montanha, sempre
diremos que há uma caraterística que lhes cabe e cumpre:
“Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de
Deus”.
IN "O JORNAL ECONÓMICO"
19/19/18
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