.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
21/09/18
.
Carta aberta ao sr. Ministro da Saúde
Sr. Ministro,
Escrevo-lhe esta carta, depois de ter passado
várias horas da última noite/madrugada no Hospital de Santa Maria em
Lisboa, instituição que tão bem conhece. E passo a explicar o porquê
desta minha decisão.
A minha filha teve ontem (quinta-feira) à
noite um acidente de viação (felizmente está bem e a recuperar de
algumas escoriações). Logo após o acidente teve um episódio de perda de
consciência e foi transportada pelos bombeiros ao hospital.
Imobilizaram-na e transportaram-na com todo o cuidado, como ditam as
regras do protocolo. Chegou ao hospital, já consciente, mas com um
pré-diagnóstico de traumatismo craniano (que graças a Deus, também não
se veio a confirmar). Deitada na maca (imobilizada) e depois da triagem
feita por uma enfermeira, foi encaminhada para a urgência para ser
observada por um médico.
Sr. Ministro: sabe quanto tempo
esteve a minha filha à espera da primeira observação por um médico? 3
(três horas)! Repito: 3 horas à espera para uma primeira observação com
um pré-diagnóstico de traumatismo craniano!
E sabe
porquê? Porque naquela urgência só estava mesmo um médico a receber e
observar todos os doentes traumatizados que íam chegando ao hospital.
Escusado será dizer que, sem mãos a medir. Mas não ficamos por aqui!
Eu
estive sempre ao lado da minha filha, como estavam outros acompanhantes
com outros doentes, todos em fila deitados nas macas. Ao fim de quase 3
horas de espera, o médico chamou uma senhora (pareceu-me sexagenária)
que estava sozinha. Pelo intercomunicador ouvimos 4 (quatro) vezes o
médico chamar pelo nome da paciente. A senhora, a muito custo, lá foi
dizendo que era ela, mas não conseguia ir ter ao gabinete médico.
Porquê? Porque naquela altura só estava um auxiliar/maqueiro, no
referido serviço de urgência, que tinha ido levar outro paciente a outra
zona do hospital. Deixei a minha filha e transportei eu própria a
senhora na maca ao gabinete do médico para ser observada.
Depois
deste episódio a minha filha foi chamada. E que foi que vi quando
transportava finalmente a maca da minha filha? O médico a sair do
gabinete e a levar a senhora que tinha acabado de observar de novo para a
zona de espera, onde estavam todos os outros doentes. Uma espécie de
médico/maqueiro, está a ver?... Porque a senhora não tinha ninguém a acompanhá-la e não havia um auxiliar para a levar...
Sr. Ministro, há uma palavra que prezo muito: DIGNIDADE. Aquilo
que vi ontem nas urgências de um hospital central do país não é digno
de ninguém. Nem dos profissionais de saúde, sobre os quais nada tenho a
apontar, apenas a elogiar (todos!), nem dos familiares dos doentes (que
tudo fazem para agilizar as barreiras que encontram enquanto esperam e
desesperam), mas principalmente para os pacientes.
A
importância e avaliação do SNS não se pode apenas fazer pela excelência
dos profissionais de saúde. Essa importância e eficácia tem muito a ver
com os meios que todos eles dispõem para poderem trabalhar. Deixe-me
dar-lhe um conselho: experimente ir a uma urgência, com um familiar seu,
sem se identificar (será difícil eu sei, porque o Sr. Ministro é uma
figura pública), mas vá na mesma sem anunciar a sua presença. Talvez não
diga tão prontamente que o SNS está bem.
Mas eu digo: nem está bem, nem se recomenda.
Tenho vários amigos (profissionais de saúde) que trabalham em vários
hospitais públicos em Portugal. Todos se queixam de situações parecidas
com as que acabei de relatar. Lamento tirar-lhe algum do seu tempo com
esta missiva que, confesso, preferia não ter que escrever. Mas trata-se,
repito, de DIGNIDADE.
E sobre isto, tenho dito!
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
21/09/18
.
Sem comentários:
Enviar um comentário