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IN "DELAS"
30/05/18
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Quarto 27
Sempre que me aproximo do edifício do Hospital Garcia de Orta, por momentos volto a viver dentro dele.
Mesmo que passem anos, mesmo que ali vá por motivos que nada tenham a
ver com o que passei em 2005, não consigo evitar sentir que aquilo faz
um bocadinho parte de mim. É como se voltasse a uma espécie de casa, onde me senti protegida e onde, quando saí, deixei uma parte da família.
A estrada que me leva até lá também me transporta para o momento em
que, depois de dois meses de internamento no quarto 27 do piso da
Cirurgia, me deram alta e me deixaram continuar a recuperação em casa. Descer aquele elevador, sabendo que ia poder sair pelas portas que davam para a rua, acelerou-me o coração.
Estava uma manhã cheia de luz, até quente para uma manhã de abril. O
hospital era rodeado de espaços verdes e o jardineiro tinha acabado de
cortar a relva. Sempre gostei do cheiro da relva acabada de cortar.
Instantes depois, a minha mãe estacionou o carro à frente da porta principal e eu enfiei-me, ainda a custo, lá dentro. Fechou
a minha cadeira de rodas, colocou-a no porta-bagagens, sentou-se, pôs
as mãos no volante, olhou para mim, respirou fundo, e disse-me “pronto,
miúda, vamos para casa.”.
O percurso era curto, morávamos perto, e fizemo-lo com a sensação de
estar a caminho do paraíso. Assim que arrancámos, abri a janela para
sentir o vento e deixar que o sol me tocasse diretamente da cara, sem
ser através do vidro do carro ou, durante tanto tempo, da janela do
quarto. A sensação de perceber que ia finalmente voltar a casa,
ver a minha sobrinha, os meus cães, e poder dormir no meu quarto, foi
tão forte, que as lágrimas me inundaram os olhos. Pelo meio
delas, ainda olhei para trás, para o hospital, e pensei, “então e agora?
Quem é que me protege, se eu me sentir pior?”.
Há umas semanas voltei lá para uma consulta de rotina. E quis ir com tempo, para poder dizer “olá!” a quem cuidou de mim durante aquela fase da minha vida.
Quando se abriram as portas do piso da Cirurgia e senti o cheiro que
vinha do corredor, foi como se o tempo tivesse voltado para trás. Ali
estava eu, em 2005, a regressar porque a febre tinha dado sinal, com as
enfermeiras a receberem-me “no colo”, a dizerem-me “calma, que nós
estamos aqui…”, e a levarem-me até ao quarto 27. O quarto isolado onde acomodavam os casos mais complicados.
Percorri todo o corredor, abracei quem ainda conhecia. Fui avançando
devagar, continuava tudo no mesmo sítio. Inclusive o quarto 27. A porta
estava entreaberta. Apeteceu-me espreitar, entrar, deitar-me em
cima daquela cama que já tinha sido tão minha e olhar pela janela, como
fazia naquela altura. Senti o estômago apertado, mas o coração
tranquilo. Segui o meu caminho e só parei na sala das enfermeiras, onde
ainda hoje, 14 anos depois, está pendurado o quadro com uma caricatura
minha, de braços abertos e a dizer “Obrigada, convosco foi muito mais fácil!” E foi. Foi. Passado. Mas para nunca esquecer.
IN "DELAS"
30/05/18
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