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O homem do futuro
Até há pouco tempo a masculinidade era sinónimo de poder, dominação e sucesso, e as marcas ajudaram a criar uma ideia estereotipada de homem que hoje está visivelmente em decadência, a ponto de termos a palavra ‘tóxico’ associada a masculino e masculinidade. Vamos perceber o que está a mudar
No ano passado o movimento
feminista #metoo trouxe à discussão pública, a uma escala global, as
situações de abuso sexual no local de trabalho e o direito da mulher a
defender-se e poder acusar os abusadores responsabilizando-os pelos seus
atos. A repercussão do movimento teve impacto à escala global e foi
fulcral para fazer cair segredos e máscaras que têm prejudicado a
ascensão profissional das mulheres. Mas, na minha opinião, houve outro
impacto muitíssimo pertinente que foi o de trazer à baila, pela primeira
vez na história da humanidade, a discussão do desempoderamento
masculino que hoje vemos ser transversal às sociedades ocidentais (ou
que pelo menos nestas é mais notório). Até agora não havia coragem de
falar publicamente nos problemas de identidade e auto-confiança que
minam os rapazes e os homens pelo mundo fora, e que se manifestam em
diversas formas agressão em ambientes díspares como a escola, a família,
o trabalho, etc , seja cometendo suicídio, na violência contra
mulheres, no abuso de drogas, na adição à pornografia, ou noutras formas
de autodestruição, destruição e alheamento da realidade. Nos EUA, os
recorrentes assassinatos em massa nas escolas levados a cabo por rapazes
levaram finalmente a que o problema da identidade masculina esteja a
ser discutida na sociedade. Este problema é somente uma das franjas de
um problema maior e complexo chamado machismo e que tem destruído a
saúde do tecido social e humano das sociedades ao longo dos séculos, a
americana e qualquer outra.
Como é que os homens querem
ver-se representados no futuro? O que se pretende dos homens da
atualidade e daqueles que estão agora a nascer?
A perceção de
masculinidade está quebrada e estilhaçada. Os homens estão confusos
sobre o que significa ser-se homem nos dias de hoje, e com poucas
referências para saberem ensinar os rapazes a serem corajosos e
assertivos sem terem medo ou vergonha de confundir competitividade com
agressão ou emoções com feminilidade, nem encontram modelos masculinos
saudáveis que sirvam de orientação e exemplo. Por outro lado, vemos
sucessivos escândalos de corrupção e crime que deitam por terra a
credibilidade de grandes corporações, instituições religiosas e
governos, com figuras masculinas a encabeçar estes casos ou governos que
são maus exemplos de poder. O paradigma masculino de poder e domínio
está a cair, e estes escândalos são a face visível desta fase de
decadência.
Se pensarmos no problema a partir do ponto de vista
do consumo, temos muito a cobrar às marcas e à forma como estas têm
explorado e vendido a imagem do masculino ao longo dos tempos, assim
como do feminino. E como o machismo e suas consequências não têm solução
imediata de indivíduo a indivíduo, as grandes corporações estão a ser
chamadas para a mudança de mentalidades e comportamentos do coletivo, à
escala global.
Daqui
a alguns anos, quando olharmos para trás, veremos o ano de 2017 e
provavelmente o de 2018 e 2019 como marcos históricos para uma tomada de
consciência e mudança de comportamentos relativamente à identidade de
género e sua livre expressão nas sociedades. Uma nova cultura está ser
moldada agora. Alinhadas e em consciência com o movimento feminista, os
Millennials estão a transformar a maneira como as relações humanas e
sociais se manifestam, e as marcas começam a reformular e a considerar a
forma como a identidade das mulheres e das pessoas LGBTI tem sido usada
para fins comerciais. E quanto aos homens, como é que as marcas vão
refazer a imagem do masculino sem repetir erros do passado nem perpetuar
estereótipos de agressividade, abuso e alheamento emocional?
O
feminismo tem mais de cem anos de história, questionamento e discussão.
As mulheres têm aprendido a recriar-se, apesar dos recuos e entraves
socio-políticos impostos ao longo das décadas, emancipando-se. Aos
homens não era pedida emancipação alguma porque supostamente eram
soberanos, autónomos e independentes do poder feminino para alcançarem
poder, bem-estar e sucesso. Contudo, isto não passava de uma falácia que
finalmente veio à luz. A morte dos mitos e falácias é positiva, mas
enquanto não se enterra o passado reconstruindo um novo futuro é
possível que andemos à deriva e sem orientação. E como temos visto ao
longo da história, nada é mais perigoso do que pessoas a sentirem-se
incapacitadas, sem propósito de vida nem autonomia. Quanto a isto, o
comportamento dos rapazes em particular tem mostrado o quanto a sensação
de falta de poder pessoal fá-los sentir fracos, frágeis e alheados
comparativamente às raparigas. Numa crónica escrita pelo americano
Michael Ian Black para o New York Times intitulada “The boys are not alright”,
(Os rapazes não estão bem) o comediante e ator pede ajuda à sociedade
para que se discuta e levante o véu deste problema. Preocupado com o
desenvolvimento saudável do filho adolescente, Michael Black pensa alto
enquanto homem que está visivelmente preocupado com o que vê acontecer à
sua volta. As raparigas empoderaram-se e assumiram papeis de
protagonismo na sociedade, e este ganho de valor do feminino deixou os
rapazes (e os homens) perdidos, sem referências nem orientação. Os pais,
homens, têm dificuldade em lidar com a questão porque nunca tiveram de
fazê-lo antes, e porque nunca antes tinham sido questionados
socialmente. O artigo de Michael Black parece-me revelador de que não
faltam homens desejosos de desintoxicar uma certa masculinidade,
recriando-a ou resgatando os valores intrínsecos saudáveis que pertencem
ao masculino e que ficaram perdidos na história humana da ganância, do
poder, das guerras e da competitividade cega que tem marcado a história.
Esse resgate deve ser feito e é justamente devido aos rapazes e às
gerações que virão.
Quanto às marcas e ao consumo, há sinais no
mercado de que mudanças positivas estão a acontecer e que os homens
estão a tomar a dianteira do discurso e da prática do masculino
saudável. Segundo a agência LSN Global, os babyboomers - homens algures
entre os 60 e 70 anos –começam a procurar produtos e serviços para
cuidarem do seu aspeto e da saúde; a Soft Masculinity começa a
revelar-se na Ásia e no Ocidente através de representações que se
afastam das ideias de agressividade e dominação tipicamente relacionadas
ao masculino; e a Black Masculinity
ganha expressão com homens negros a questionarem a ideia de
masculinidade negra, e a ausência de modelos de parentalidade saudáveis,
observando as consequências disto no comportamento e desenvolvimento
saudáveis dos rapazes negros. Todas as mudanças em curso parecem ser
sinais claros de que o masculino está em transformação positiva,
deixando antever que a reconstrução da identidade masculina marcará os
negócios, as estruturas profissionais, educação, o consumo, etc.
O
mercado está a mudar, a consciência dos jovens relativamente aos
comportamentos de agressividade e violência verifica-se em tendências
como o gender neutrality, e o mundo masculino começa a perceber que tem
dado mensagens perversas e erradas aos rapazes relativamente ao que
significa ser-se homem. Mas as máscaras estão a cair, o lado negro do
patriarcado está finalmente a vir à tona, e o início da mudança de
mentalidades acontece diante dos nossos olhos. Parece que o momento dos
homens poderem desabafar e chorar, sem vergonha, finalmente chegou. É
merecido. Deixo como sugestão, e para continuação desta para reflexão, o
documentário «The Mask You Live In»,
com inúmeros testemunhos de rapazes e adultos que falam abertamente das
consequências de serem educados e viverem num estereótipo de masculino
equivocado e profundamente limitador.
IN "VISÃO"
25/05/18
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