17/04/2018

SOFIA AFONSO FERREIRA

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O mecanismo cultural


Em julho de 2014 tivemos o manifesto “A Cultura apoia António Costa”. Dois anos depois, a Cultura percebeu que continuamos na austeridade.

Depois de muitas promessas políticas, juras de amor eterno e palmadinhas nas costas, a Cultura descobriu que continuamos na austeridade.

Isto tem piada. Reparem na ironia. Estamos em Julho de 2014 e a campanha eleitoral do PS arranca ao colo da Cultura no inenarrável manifesto “A Cultura apoia António Costa” subscrito por centenas de intelectuais e artistas da música às artes plásticas e à literatura, onde afirmavam de forma categórica que o actual primeiro-ministro era a escolha certa para o país.

O primeiro signatário do manifesto, António Mega Ferreira, seguido de Miguel Lobo Antunes e José Manuel dos Santos, defendia que, “ao longo da sua vida pública, António Costa provou ter a integridade, a inteligência, a autenticidade, o dinamismo, a convicção e a responsabilidade que o tornam uma referência para todos os que não se resignam a viver num país humilhado e acreditam que é possível restituir a dignidade a Portugal e mobilizar os portugueses para a esperança no futuro”.

E assim entrámos numa nova era repleta de confiança e virar de página na área da Cultura. Qual foi a primeira coisa que o Governo PS fez quando chega ao poder? Congela os apoios à Cultura. E a Cultura percebeu, dois anos depois, que não só continuamos na austeridade como, incrédulos, descobrem que tiveram direito a receber menos apoios que nos terríveis tempos da coligação PSD-CDS.

Vai daí revoltaram-se, organizaram-se e bateram o pé. E não o fizeram sozinhos, o Bloco de Esquerda e o PCP também saíram à rua a protestar contra aquilo que consideram ser uma pouca-vergonha, um verdadeiro atentado ao sector cultural – a política do governo do qual fazem parte e com o qual concordam e assinam tudo de cruz. Extraordinário, não é? Calculo que este constitua o exemplo mais cabal da Síndrome de Estocolmo.

O ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes, é chamado à Comissão Parlamentar de Cultura numa sessão convocada com carácter de urgência pelo Bloco de Esquerda e PCP. Na comissão é célere a esclarecer que não tem culpa e que vai despejar dinheiro para sossegar as hostes, perpetuando o famoso mecanismo cultural que se traduz numa das áreas mais estagnadas do país. Uma área onde não se percebe os critérios pelos quais são escolhidas as estruturas merecedoras de apoio, com figuras da “alta cultura” instaladas no poder há quatro décadas, cujo trabalho não passaria no crivo de qualidade em qualquer zona de província remota fora do país, incapaz de gerar lucro, consumidores do seu produto ou assegurar ordenados e segurança laboral aos trabalhadores do sector.

Alguém uma vez afirmou que a estupidez consiste em repetir algo que falhou. Quatro décadas de más políticas resultaram no estado actual da área cultural. Não estará o sector carente de bons gestores financeiros em vez dos eternos subsídios para vingar?

* Consultora de Comunicação
 

IN "O JORNAL ECONÓMICO"
13/04/18



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