O mecanismo cultural
Em julho de 2014
tivemos o manifesto “A Cultura apoia António Costa”. Dois anos depois, a
Cultura percebeu que continuamos na austeridade.
Depois
de muitas promessas políticas, juras de amor eterno e palmadinhas nas
costas, a Cultura descobriu que continuamos na austeridade.
Isto
tem piada. Reparem na ironia. Estamos em Julho de 2014 e a campanha
eleitoral do PS arranca ao colo da Cultura no inenarrável manifesto “A
Cultura apoia António Costa” subscrito por centenas de intelectuais e
artistas da música às artes plásticas e à literatura, onde afirmavam de
forma categórica que o actual primeiro-ministro era a escolha certa para
o país.
O primeiro signatário do manifesto, António Mega
Ferreira, seguido de Miguel Lobo Antunes e José Manuel dos Santos,
defendia que, “ao longo da sua vida pública, António Costa provou ter a
integridade, a inteligência, a autenticidade, o dinamismo, a convicção e
a responsabilidade que o tornam uma referência para todos os que não se
resignam a viver num país humilhado e acreditam que é possível
restituir a dignidade a Portugal e mobilizar os portugueses para a
esperança no futuro”.
E
assim entrámos numa nova era repleta de confiança e virar de página na
área da Cultura. Qual foi a primeira coisa que o Governo PS fez quando
chega ao poder? Congela os apoios à Cultura. E a Cultura percebeu, dois
anos depois, que não só continuamos na austeridade como, incrédulos,
descobrem que tiveram direito a receber menos apoios que nos terríveis
tempos da coligação PSD-CDS.
Vai daí revoltaram-se, organizaram-se
e bateram o pé. E não o fizeram sozinhos, o Bloco de Esquerda e o PCP
também saíram à rua a protestar contra aquilo que consideram ser uma
pouca-vergonha, um verdadeiro atentado ao sector cultural – a política
do governo do qual fazem parte e com o qual concordam e assinam tudo de
cruz. Extraordinário, não é? Calculo que este constitua o exemplo mais
cabal da Síndrome de Estocolmo.
O ministro da Cultura, Luís Filipe
Castro Mendes, é chamado à Comissão Parlamentar de Cultura numa sessão
convocada com carácter de urgência pelo Bloco de Esquerda e PCP. Na
comissão é célere a esclarecer que não tem culpa e que vai despejar
dinheiro para sossegar as hostes, perpetuando o famoso mecanismo
cultural que se traduz numa das áreas mais estagnadas do país. Uma área
onde não se percebe os critérios pelos quais são escolhidas as
estruturas merecedoras de apoio, com figuras da “alta cultura”
instaladas no poder há quatro décadas, cujo trabalho não passaria no
crivo de qualidade em qualquer zona de província remota fora do país,
incapaz de gerar lucro, consumidores do seu produto ou assegurar
ordenados e segurança laboral aos trabalhadores do sector.
Alguém
uma vez afirmou que a estupidez consiste em repetir algo que falhou.
Quatro décadas de más políticas resultaram no estado actual da área
cultural. Não estará o sector carente de bons gestores financeiros em
vez dos eternos subsídios para vingar?
IN "O JORNAL ECONÓMICO"
13/04/18
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