A união e a independência
do poder judicial:
in courts we trust?
O Tribunal de Justiça da União Europeia considerou que as
garantias do direito da UE se aplicam directamente aos tribunais
nacionais unicamente em virtude da sua natureza enquanto tribunais
europeus.
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Há uns dias a Teresa Violante e o Francisco Pereira Coutinho chamaram a atenção
para um importante acórdão prejudicial do Tribunal de Justiça da União
Europeia (TJUE), proferido no âmbito do caso Associação Sindical de
Juízes Portugueses c. Tribunal de Contas. A chamada de atenção é
fundamental. Diria que não tanto por aquilo que o acórdão pode
significar quanto ao passado, mas sobretudo por aquilo que certamente
representa para o futuro.
Na acção em causa, a Associação Sindical
de Juízes Portugueses alegou que as medidas de redução salarial,
associadas a imperativos de eliminação de um défice orçamental excessivo
e ao programa de assistência financeira da União, quando aplicáveis a
membros do poder judicial colocavam em causa a sua independência. Não
tendo, é importante dizê-lo, dado razão à autora – por se tratar de
medidas gerais, limitadas e transitórias ‑, o TJUE justificou a sua
decisão em termos que irão certamente marcar a política e o direito
europeus num futuro próximo. E mais uma vez, não tanto pelas
considerações que o fez a respeito do princípio da independência do
poder judicial, mas sobretudo por ter considerado que as garantias do
direito da União se aplicam directamente aos tribunais nacionais unicamente em virtude da sua natureza enquanto tribunais europeus.
Na
verdade, afirmou ali o TJUE que, na medida em que os tribunais
nacionais são competentes para interpretar e aplicar o direito da União,
os Estados-Membros têm de garantir que estes satisfaçam as exigências
inerentes a uma tutela jurisdicional efectiva. Ora, a garantia de
independência “que é inerente à missão de julgar”, é uma dessas
exigências fundamentais, e impõe-se na mesma medida aos tribunais da
União e aos órgãos jurisdicionais nacionais. Em particular, “o conceito
de independência pressupõe, nomeadamente, que a instância em causa
exerça as suas funções jurisdicionais com total autonomia, sem estar
submetida a nenhum vínculo hierárquico ou de subordinação em relação a
quem quer que seja e sem receber ordens ou instruções de qualquer
origem, e esteja, assim, protegida contra intervenções ou pressões
externas susceptíveis de afectar a independência de julgamento dos seus membros e influenciar as suas decisões” (itálico nosso).
Com
a sua decisão, o TJUE colocou, assim, todas as medidas nacionais que
possam afectar a independência do poder judicial sob sua supervisão.
Dir-se-ia que a garantia da independência do poder judicial –
constitucionalmente consagrada e protegida a nível dos Estados – não é
nova, e não deveria soar estranha a qualquer Estado-Membro da União. A
realidade é, todavia, dinâmica e os recentes acontecimentos a Leste
demonstram que, também neste domínio, nada está garantido na Europa.
É
neste contexto que o TJUE “europeíza” a questão, deixando claro que o
argumento segundo o qual as reformas judiciais se tratam de competência
estritamente nacional, imune a escrutínio europeu, perde a sua valia (se
algum dia a teve). Os Estados-Membros da União estão obrigados, em
virtude do direito da União, a garantir a independência do seu poder
judicial, valor comum e partilhado entre Estados e União.
Tudo
está agora em saber o que se segue, e se, designadamente, a Comissão
Europeia, guardiã da legalidade europeia, confiará ao TJUE a resolução
dos problemas colocados, por ora, pelas reformas judiciais húngaras,
polaca e romena. Ou se teremos de esperar por mais um reenvio
prejudicial proveniente de órgãos jurisdicionais nacionais perante os
quais aquelas reformas sejam questionadas.
Em qualquer dos cenários, é
importante perceber que não ganham apenas os tribunais nacionais.
Realiza-se, antes de mais, o Estado de Direito.
*Professora da
Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa; Advogada na
Campos Ferreira, Sá Carneiro & Associados
IN "OBSERVADOR"
07/04/18
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