23/04/2018

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HOJE NO 
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‘Não compreendo que os funcionários públicos votem em partidos que os prejudicam’

Ana Avoila garante que a contestação vai aumentar e que alguns serviços públicos ‘estão uma desgraça’. Só não fala da sua vida pessoal.

Foi adepta desde o início desta solução política que permitiu ao PS governar com o apoio da esquerda?
Fui sempre adepta. Nós tínhamos feito uma luta muito dura contra o Governo do PSD/CDS com as políticas da troika e fizemos uma mobilização grande para que não se repetisse uma maioria absoluta. As maiorias absolutas são muito complicadas para os trabalhadores da Administração Pública. 
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É pior para os trabalhadores?
É sempre pior. O Governo é o nosso patrão. Nós já tivemos maiorias absolutas do Governo de Cavaco Silva e do engenheiro Sócrates. As maiorias absolutas permitem fazer políticas muito mais rapidamente e, infelizmente, isso tem sido desastroso para os trabalhadores. E, por isso, nós quando estamos em campanha fazemos sempre um apelo ao voto em quem defende os trabalhadores. As pessoas têm de ir ver as propostas...

É um apelo ao voto no PCP?
Não. Pode não ser só no PCP. O PCP tem estado sempre ao lado dos trabalhadores. Isso é inegável. Pode haver outros que em determinadas alturas até defendam os trabalhadores, mas depois as políticas estruturantes são sempre negativas.

Neste caso o PS ficou muito longe da maioria absoluta

Quando apareceu esta solução os trabalhadores da Administração Pública ficaram entusiasmados porque era a primeira vez que se dava a possibilidade de haver uma maioria de esquerda que pudesse colocar em prática políticas que favorecessem os trabalhadores. Acho que é uma solução que pode permitir isso, mas, pelos vistos, o Governo do PS não quer seguir essa política nalgumas coisas. O que é que resultou daqui? Resultaram algumas coisas positivas, mas que são insuficientes.

O primeiro-ministro garante que os portugueses estão a viver melhor. Os trabalhadores da Função Pública vivem melhor do que há três anos?
As pessoas não podem viver melhor se os salários não forem aumentados.

Não se pode dizer que vivem melhor?

O [economista] Eugénio Rosa, que trabalha aqui connosco, fez um estudo em relação aos últimos sete anos e estamos a perder poder de compra. Aquilo que o Governo fez até agora foi o que tinha de fazer. Se formos falar com os trabalhadores para mostrarem o recibo do seu vencimento a maioria deles recebe menos dinheiro do que em 2010. Para as pessoas viverem melhor na Função Pública é preciso que se tenha em conta as perdas que tiveram neste últimos anos e que a carga fiscal é muito alta.

Tinha a expectativa de que as coisas seriam diferentes com este Governo?  
Nós achávamos que numa situação nova as coisas poderiam ser feitas de uma forma diferente e que se aproveitava esta oportunidade. Não estamos a falar só dos trabalhadores. Estamos a falar, por exemplo, dos serviços públicos. Os hospitais estão uma desgraça. Os transportes estão outra desgraça. Podemos dizer que já estavam assim, mas o Governo tem de arranjar forma de melhorar. Continuamos a sentir as dificuldades que sentíamos.

Há a perceção de que este Governo tem sido melhor para os funcionários públicos.
Tem sido melhor. Não é essa a questão. A nível social este Governo fez alguma coisa. Os manuais escolares, os abonos de família, os feriados, as 35 horas… Mas a questão é se os trabalhadores da Função Púbica vivem melhor. Os médicos, os enfermeiros, os funcionários judiciais, os guardas prisionais está tudo aí em luta e em greve porque as coisas não estão bem. Se estivessem bem as pessoas não fariam greve. As coisas estão a agudizar-se. Os problemas não são só relacionados com os salários. O problema é também em relação às condições de trabalho que são muito precárias.

Os serviços públicos têm sido penalizados por causa do défice?

Não há o investimento que devia haver. Dantes podia não haver dinheiro, mas agora há dinheiro e nós estamos a viver na Administração Pública em constante perturbação. Temos crescimento económico. Temos médicos, enfermeiros e assistentes operacionais que não mudam de turno, porque não há gente. A vida das pessoas mede-se também por isso. Ainda esta semana tive de ir ao hospital de São José e vi um médico recusar-se a continuar, porque não conseguia aguentar mais e se o fizesse ia colocar em causa os doentes. Não podemos dizer que as coisas estão melhores nos serviços públicos. Não estão. Este Governo tem a oportunidade de os melhorar porque há crescimento económico.

Julga que, em geral, os funcionários públicos estão desmotivados?
Estão desmotivados, porque perderam as expectativas. Tinham uma expectativa muito alta relativamente a esta solução política e estão desmotivados. As pessoas têm poucas condições e ganham pouco. O pessoal aí fora pensa que nós ganhamos muito, mas ainda havemos de fazer uma ação para publicar os recibos de vencimentos. Nós temos cerca de 75 mil trabalhadores com o salário mínimo na Função Pública, mas logo a seguir ao salário mínimo temos mais de 70 mil. A média dos administrativos e técnicos profissionais é de 800 ou 900 euros.

Desiludiu-se com este Governo?  
O Governo podia fazer muito melhor e não faz porque não quer. Este Governo do PS tem pela primeira vez a oportunidade de mostrar de que lado está. Nós sabemos que não é fácil gerir as pressões do patronato...

Já passaram quase três anos. Ainda não percebeu de que lado está o Governo?
Do lado dos trabalhadores da Função Pública não está. A linha de ataque aos direitos da Administração Pública continua. Do lado dos trabalhadores do privado também não está, porque se estivesse teria alterado a lei laboral.

Apesar de o PS ter chumbado as alterações às leis laborais e de não ceder em muitos aspetos às pretensões do PCP e do Bloco continua a ter o apoio da esquerda. Isso não é uma contradição?
Isso já é um problema da esquerda. Não é um problema dos sindicatos.

Os sindicatos também não pediram a demissão deste Governo como fizeram com outros.
Ainda falta muito tempo para as eleições. É verdade que, no Governo da troika, ao fim de um ano e meio se estava a pedir a demissão, mas estávamos com o FMI cá e nós não esquecemos o que se passou no tempo da troika.

O Governo de Passos Coelho foi alvo de muita contestação, mas durou até ao fim e venceu as eleições.
É verdade.

Tem alguma explicação?
Há contradições. As campanhas eleitorais também têm peso. O último Governo do Partido Socialista, antes da troika, não deixou boas recordações a ninguém. Também teve grandes manifestações. Os trabalhadores da Função Pública, ao contrário do que as pessoas pensam, dificilmente se esquecem e na altura tinham presente aquilo que se passou no tempo da troika, mas tinham presente também aquilo que se tinha passado no Governo do PS.

O Governo de José Sócrates?
O Sócrates tirou-nos as carreiras, cortou salários... O nosso patrão é o Governo e as pessoas tentam sempre castigar quem lhes fez mal. Eu não pensei que o PS ganhasse com maioria absoluta, mas achei que ia ganhar. Acho que as pessoas, a seguir à troika, tiveram medo de poder haver instabilidade. Não sei se os trabalhadores da Função Pública votaram no Passos Coelho...

Compreende que um funcionário público possa votar num partido que o penalizou?
Não compreendo. Não consigo compreender. Não compreendo, mas as pessoas fazem por opção política. As pessoas nunca pensam que nós temos um patrão. O patrão pode ser um Governo do PS ou do PSD e há muita gente que não se lembra disso.

* Depois de lermos estas declarações ficámos agoniadas, apenas confirmou o óbvio inserido na cassete. Se hipoteticamente acontecesse um governo do PCP seria igualmente patrão, assumiria todas as prerrogativas dos patrões feudais portugueses, estamos lembrados dos governos  patrões da ex-URSS e países satélites cujos povos viviam na miséria e não é preciso abordar a vergonha que é Cuba.

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