«O saber não ocupa lugar»
As grandes organizações internacionais recomendam, com a
conhecida reserva das centrais sindicais, o prolongamento da vida activa
recorrendo a várias modalidades desde o part-time ao empreendedorismo.
Com esse aforismo bem conhecido, realizou-se há dias no Seixal a final do «Concurso Nacional de Cultura Geral»
convocado pela RUTIS-Rede das Universidades da Terceira Idade, na qual
participaram mais de duas dezenas dessas «universidades» espalhadas por
todo o país. Num amplo pavilhão da Câmara Municipal, reuniram-se assim
muitas centenas de pessoas, na sua maioria responsáveis, membros e
familiares das três centenas de instituições portuguesas filiadas na
RUTIS, a fim de assistir entusiasmadas à final do Concurso.
Entendi
ser importante transmitir e comentar esta notícia ignorada pelos
grandes «media» nacionais por três motivos principais. O primeiro é
agradecer aos organizadores o convite que me fizeram para participar no
júri que atribuiu os prémios do certame, o que se deve – imagino – ao
facto de eu estar associado desde o início do século XXI ao Instituto do
Envelhecimento da Universidade de Lisboa, aos seus numerosos trabalhos
de investigação e à comunicação pública dos resultados desses estudos
pelo país fora.
Em segundo lugar, o envelhecimento
sócio-demográfico da população portuguesa constitui, como aqui tenho
chamado a atenção, um dos principais problemas – se não o principal –
que Portugal está a enfrentar há várias décadas sem, todavia, lhe
dedicar a atenção e os meios exigidos para combater os sérios riscos que
o envelhecimento faz correr ao país e a cada uma das pessoas mais
velhas. Como dizia no meu último artigo sobre o tema,
sendo Portugal um dos países do mundo com mais alto índice de
envelhecimento, com ministros e secretários para tudo e mais alguma
coisa, em contrapartida nunca existiu uma secretaria de Estado dos «Mais
Velhos»!
Em terceiro lugar, acontece que, para além dos sistemas
públicos de saúde e de pensões, ambos actualmente já em crise, de todas
as normas avançadas pelas instituições internacionais que recomendam as
actividades de «envelhecimento activo» para contrariar os riscos
inerentes ao prolongamento da esperança de vida, de todas essas
recomendações aquela que mais rápida e notoriamente favorece a qualidade
de vida nas idades mais avançadas é, precisamente, a ocupação do
espírito, ou seja, esse ditado recuperado pela RUTIS: «O saber não ocupa
lugar»!
Com efeito, todos os estudos nacionais e estrangeiros
demonstram que o nível de instrução das pessoas, o qual arrasta consigo
quase automaticamente a sua profissão e o seu rendimento, e portanto os
da sua descendência, tais factores marcam insofismavelmente, através de
um ciclo de vida assim condicionado, não só a longevidade como também a
qualidade de vida dos últimos anos ao nível da saúde, condicionando em
Portugal a qualidade da saúde mental dos idosos em especial.
Inversamente, tudo o que contribua para manter e, se possível, aumentar
as actividades mentais e de socialização das pessoas à medida que vão
envelhecendo só pode ser positivo para a sua condição de espírito e de
saúde.
É por isso que as grandes organizações internacionais
recomendam, com a conhecida reserva das centrais sindicais, o
prolongamento da vida activa recorrendo a várias modalidades desde o
«part-time» ao «empreendedorismo». É sabido que essa recomendação por
parte de organizações económicas como a OCDE ou a própria União Europeia
não são inocentes, pois quando preconizam o prolongamento da vida
laboral estão a pensar sobretudo no problema das pensões e do emprego
jovem. Dito isso, não deixa de ser verdade que, salvo indicação
individual em contrário, a continuidade de uma actividade profissional
está correlacionada positivamente com a longevidade e com a qualidade de
vida!
Ora, depois da reforma ou ainda durante a vida activa, de
todas as actividades de envelhecimento activo preconizadas pela OMS, a
aprendizagem ao longo da vida, organizada ou mesmo individual, constitui
sem dúvida a melhor receita para as pessoas se armarem mentalmente a
fim de preservar a maior qualidade de vida possível. É bem sabido,
contudo, que o baixo nível comparativo do analfabetismo e da iliteracia
prevalecentes em Portugal até hoje explica a notória baixa qualidade dos
anos da velhice, por exemplo, através da pouca informação em matéria de
saúde que prejudica o acesso oportuno aos cuidados médicos, como ficou
aliás patente no recente estudo do Instituto do Envelhecimento acerca da
informação dos Portugueses sobre saúde.
A concluir, em Portugal,
talvez nenhuma instituição contribua tão activamente como a RUTIS, com
mais de 45.000 alunos e 5.500 professores voluntários, para essa
aprendizagem ao longo da vida e para todo o processo de socialização das
pessoas mais velhas, incluindo a colaboração com parceiros
estrangeiros. Naturalmente, a RUTIS não esgota nem podia esgotar o que
há para fazer nesta área em que Portugal continua a apresentar números
muito baixos por comparação com o resto da UE, mas aquilo já fez e as
pessoas que já mobilizou mostram o caminho a percorrer. Assim as
entidades públicas nacionais e autárquicas o reconhecessem e apoiassem
eficazmente!
IN "OBSERVADOR"
08/02/18
.
Sem comentários:
Enviar um comentário