HOJE NO
"OBSERVADOR"
Chic by Choice, o negócio fantasma
das portuguesas que foram
distinguidas pela Forbes
das portuguesas que foram
distinguidas pela Forbes
Aluguer de vestidos indisponível, telefone desligado, showroom que não existe e prejuízo de 1 milhão em 2016. As criadoras da Chic by Choice trabalham noutras empresas mas foram destacadas pela Forbes
A Forbes distingiu há um mês as portuguesas Lara Vidreiro e Filipa Neto como duas das 30 jovens sub-30 “mais brilhantes” da Europa, no ranking
anual “30 Under 30”, mas o negócio de aluguer de vestidos de luxo que
ambas lançaram em 2014 — e pelo qual foram distinguidas pela publicação
norte-americana — não funciona.
O aluguer de vestidos está sempre “indisponível”, o número de telefone da marca está desligado há semanas, a empresa aparenta não ter colaboradores, não se sabe onde é o espaço físico da marca e as empreendedoras estão desde o final do ano a trabalhar noutras empresas.
FALHADAS COM ELEGÂNCIA |
O aluguer de vestidos está sempre “indisponível”, o número de telefone da marca está desligado há semanas, a empresa aparenta não ter colaboradores, não se sabe onde é o espaço físico da marca e as empreendedoras estão desde o final do ano a trabalhar noutras empresas.
Mais: em 2016, as vendas da empresa totalizaram 278.162 euros, mas os prejuízos ascendiam a mais de um milhão de euros. No final desse ano, a empresa estava em falência técnica, com um capital próprio negativo de 28.155 euros.
O mistério que rodeia o negócio das jovens recentemente distinguidas pela Forbes tem sete meses. Desde julho de 2017 que o Observador tem tentado perceber o que se passa com a Chic by Choice —
altura em que apurou que os colaboradores estariam a sair da empresa
por motivos relacionados com a sustentabilidade das operações e que o
site começou a vender vestidos em promoção de forma permanente. Nesse
mês, contactou as cofundadoras e a Portugal Ventures, que é uma das
entidades portuguesas que financiaram o projeto. Objetivo: saber se a
empresa estaria a encerrar atividade e, por isso, a escoar o stock.
A capital de risco pública respondeu que “não lhes tinha sido comunicada qualquer informação que permitisse concluir que a Chic by Choice iria encerrar”
e Filipa Neto mantinha a mesma versão ao Observador dias depois,
explicando que o negócio estaria a passar por uma fase de reestruturação
e mudança, mas ativo.
Desde julho de 2017 que o site anuncia
campanhas de promoção de venda de vestidos que chegam a atingir
descontos de 80% — mas não é nesta lógica de vendas que assenta o modelo
de negócio da startup portuguesa.
Seis meses depois, a 22 de janeiro de 2018, a Forbes distinguia as
portuguesas de 27 anos como duas das 30 jovens “mais brilhantes” da
Europa na categoria de “Retalho e Comércio Eletrónico”. O Observador
percebeu nessa altura que as campanhas de promoções se mantinham ativas e
que era impossível alugar vestidos no site — tentámos mais de 40 vezes, com vestidos diferentes, sempre sem sucesso, e voltámos a contactar as empreendedoras. Até à hora a que este artigo foi publicado não houve qualquer resposta.
Na rede profissional LinkedIn, é possível ver que Lara Vidreiro está a trabalhar como consultora digital sénior de e-commerce na A2D Consulting desde novembro de 2017. Filipa Neto está a trabalhar como especialista de inovação na Farfetch desde dezembro de 2017.
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Na rede social, ambas mantêm os cargos de cofundadoras e Filipa Neto
aparece como diretora geral da Chic by Choice, mas fonte da Portugal
Ventures voltou a afirmar ao Observador: “Não nos foi comunicado
qualquer desenvolvimento que permita tirar conclusões sobre o
encerramento da empresa”.
Confrontada com o novo emprego das fundadoras, a mesma fonte acrescentou que “o
acordo parassocial que a Portugal Ventures tem com todas as
participadas e restantes parceiros que integram a estrutura acionista
destas empresas obedece a acordos de confidencialidade“, que
não iria quebrar. Ao Observador, a Faber Ventures, sociedade de capital
de risco que também investe na empresa desde o seu lançamento, não quis
prestar declarações.
Sem telefone, sem showroom e sem colaboradores
Na ausência de respostas, o Observador continuou a tentar alugar vestidos:
Dos seis funcionários que aparecem listados como colaboradores da Chic by Choice no LinkedIn, apenas uma aparece como estando atualmente vinculada à empresa, mantendo-se como operadora de armazém. Uma segunda está desde julho de 2017 noutra empresa, a terceira tem também uma nova função noutra entidade patronal desde janeiro de 2018 e há uma quarta colaboradora que, apesar de aparecer no LinkedIn ligada à empresa, acabou por confirmar ao Observador que também já não trabalha lá. No final de 2016, a empresa contava com 15 colaboradores.
Nas redes sociais, há alguns meses que a empresa não tem atividade. Na página da Chic by Choice no Twitter, o último post é de 31 de julho de 2017 e mostra a atriz Vanessa Martins a utilizar um vestido da loja. No Instagram, a última fotografia data de 17 de outubro de 2017
e mostra a blogger Bárbara Corby com um vestido da designer Catherine
Deane. Na página da marca no Facebook, o último post da empresa é de 28 de novembro de 2017 e é uma felicitação ao noivado do príncipe Harry com Meg Markle. A atriz aparece com um vestido da designer Jill Stuart Aline.
No site da Chic by Choice, há um item no qual estão publicados os
comentários dos leitores — o último data de julho de 2017. Na página do
Facebook, contudo, há três publicações de clientes a queixarem-se de
terem comprado vestidos e de nunca os terem recebido. Uma delas data de 9 de janeiro de 2018, outras duas de 25 de setembro de 2017.
Na secção “Como Funciona”, continuam a estar disponíveis os passos que
cada consumidor deve executar para alugar um vestido e que passam por
escolher o dia de entrega, guardar a embalagem e devolvê-la. Não há
referência à possibilidade de compra dos vestidos, que é, na verdade, a
única disponível para os consumidores.
Até à mudança para a Doca de Alcântara, a empresa tinha um espaço
físico noutra zona de Lisboa, na Rua Castilho — em pleno centro da
cidade. Em julho, a marca anunciou que iria reabrir a sua sample store
ao público para pôr à venda vestidos de coleções anteriores com um
desconto mínimo de 30%. O intervalo de preços a que os clientes poderiam
comprar os vestidos ia de 65 a 350 euros.
Em outubro, quando o novo espaço na Doca de Alcântara foi inaugurado, a marca voltou a anunciar
que tinha uma seleção de vestidos de luxo com descontos até 85% de
marcas como Valentino, Missoni, BCBG Max Azria ou Nicole
Miller. Desde então que as promoções se mantêm no site.
Prejuízo superior a um milhão e capital próprio negativo em 28 mil euros
A 30 de novembro de 2015, a startup portuguesa anunciou que tinha recebido uma ronda de investimento no valor de 1,5 milhões de euros dos
fundos de investimento em capital de risco Faber Ventures, Portugal
Ventures e dos investidores Paulo Mateus Pinto (presidente da La Redoute
Iberia) e Nuno Miller (ex-responsável pela área tecnológica da Farfetch
e, na altura, responsável pelos canais digitais da Sonae). O objetivo
da ronda era permitir que a empresa crescesse nos mercados do Reino
Unido e Alemanha durante o próximo ano e meio, ou seja, até meados de
2017.
No final do ano seguinte (a última prestação individual de contas que
a empresa apresentou é relativa a 2016), a Chic by Choice estava em
falência técnica , com um capital próprio negativo de 28.155 euros,
ou seja, com um passivo superior aos ativos. Simplificando: as dívidas
que a empresa tem para com terceiros são superiores aos ativos que
possui. Isto não quer dizer que a empresa esteja falida — para que isso
aconteça tem de ser entregue uma declaração de insolvência. O Observador
confirmou no portal Citius que não tinha sido entregue nenhum pedido
deste tipo.
O relatório e contas da Chic by Choice de 2016 também
apresenta um prejuízo de 1,074 milhões de euros e um volume de negócios
de 278.162 euros. As contas de 2017 da empresa ainda não constam da Base
de Dados de Contas Anuais do Instituto dos Registos e do Notariado.
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Na
altura em que a Chic by Choice recebeu o investimento de 1,5 milhões de
euros, Filipa Neto disse ao Observador que o negócio estava a crescer
entre 12% a 35% por mês e que “agora era necessário fazer crescer a empresa, captar novos clientes para continuarmos a crescer no Reino Unido e Alemanha
e aumentar a equipa, em especial a tecnológica”. Em agosto desse ano, a
startup já tinha feito notícia por ter comprado a rival alemã La
Remia, mas as condições financeiras que envolveram a operação não
chegaram a ser reveladas.
Aquando da compra da rival, Filipa Neto
disse que a empresa estava “a ter um franco crescimento” e que, por
isso, fazia todo o sentido acelerar a expansão da Chic by Choice e
entrar num mercado que é muito forte em comércio eletrónico”. Em agosto
de 2015, a empresa também anunciou
que as fundadoras da alemã La Remia, Anna Mangold e Claudia von
Boeselager, iriam integrar a equipa da empresa portuguesa como
consultoras.
Chic by Choice tem sido destacada por várias publicações internacionais
Filipa Neto e Lara Vidreiro têm 27 anos e em janeiro de 2017 foram distinguidas no ranking
dos jovens “mais brilhantes” da Europa no ramo “Retalho e Comércio
Eletrónico”. No perfil das empreendedoras na Forbes, pode ler-se que a
empresa foi fundada em 2014 e que aspira ser a Rent the Runaway da Europa
(empresa americana fundada por Jennifer Hyman e Jennifer Fleissan, em
2009, que permite alugar vestidos e outros acessório de designers).
“A
empresa com sede em Lisboa cobra apenas 85% do preço de retalho por
vestidos de designer e envia-os para mais de 15 mercados europeus”, lê-se no perfil das empreendedoras na publicação.
O processo de seleção dos jovens “30 Under 30” para as várias áreas terá começado em outubro,
bem como os contactos da Forbes, apurou o Observador. Terminaram em
dezembro. Para que as candidaturas fossem aprovadas, os candidatos
tiveram de responder a vários questionários com perguntas sobre a sua
vida pessoal e profissional. O anúncio dos 30 escolhidos para cada área
foi feito num evento em Londres.
Esta não foi a primeira vez que a
Chic by Choice foi alvo de destaque internacional, nem da Forbes. Em
fevereiro de 2015, a startup já tinha sido destacada
pela mesma revista por estar a mudar a forma como as pessoas acedem a
produtos de moda assinados por designers e a aproximar as marcas de luxo
dos cidadãos. A jornalista Alison Coleman escrevia na altura que a Chic
by Choice tinha dois objetivos: “Democratizar as marcas de
designers e possibilitar às marcas líderes e aos sites de comércio
eletrónico melhorar a gestão de stocks de uma forma mais proveitosa do
que recorrendo a campanhas de descontos”.
Em 2016 e em 2017, a Chic by Choice também foi destacada pela revista Wired como uma das 10 startups mais sexy de Portugal e das 100 mais sexy da Europa.
No último ano, a empresa de aluguer de vestidos de moda de luxo foi
distinguida ao lado de nomes como a Attentive, Unbabel, Feedzai, Zaask,
Misk, Landing.jobs, Uniplaces, Sword Health, Mellow ou Codacy. A 14 de
junho de 2016, também foi considerada a melhor startup de moda dos “The
Europas Conference & Awards”, um ano depois de a Farfetch ter
arrecadado o mesmo prémio.
No final de 2015, o Observador também destacou Filipa Neto como uma das pessoas com menos de 30 anos a manter debaixo de olho para 2016.
A Chic By Choice nasceu em 2014 e conta com cerca de 2 milhões de
euros de investimento captados em duas rondas: a primeira, no valor de
500 mil euros, decorreu em junho de 2014 e contou com a participação da
Portugal Ventures, da Faber Ventures e da Edge Group. A segunda, no
valor de 1,5 milhões de euros, ocorreu em novembro de 2015.
Em entrevista
ao Jornal de Negócios, em dezembro de 2015, Lara Vidreiro contava que a
empresa tinha surgido porque as empreendedoras queriam dar oportunidade
“a todas as mulheres de poderem aceder a um vestido de sonho para cada
ocasião, sem terem de investir demasiado numa peça que sabem que irão
usar apenas uma ou duas vezes”. Tinham 23 anos quando lançaram a
startup.
No “Sobre Nós” disponível no site da Chic by Choice, a empresa assume-se como “uma plataforma de aluguer premium,
que disponibiliza vestidos de luxo inigualáveis, com 85% de desconto
sobre o preço de venda”, porque as empreendedoras acreditam “numa
experiência de estilo globalmente acessível: envio para mais de 15
mercados europeus, incluindo os principais centros de moda de Portugal,
Reino Unido, França, Itália e Alemanha, e uma seleção de mais de 40
designers”.
* Falhadas com elegância, um must de incompetência, apreciamos terem aldrabado a Forbes. Mais um excelente trabalho da jornalista ANA PIMENTEL
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