Negócio da China
A Fundação Gulbenkian prepara-se para
vender, a uma empresa chinesa, o seu departamento de petróleo, isto é,
tanto quanto sabemos, a Partex, o grupo de empresas ligadas ao petróleo.
O
petróleo da Gulbenkian é da Gulbenkian. Por enquanto. A instituição
fará com esse produto o que bem entender, mesmo se esperamos, de uma
fundação de utilidade pública, que as decisões sejam no melhor interesse
das suas obras, assim como da eternidade, ambição desmedida mas
estatutária.
Curioso é que o petróleo
da Gulbenkian não é só o problema da Gulbenkian. É também um problema
dos portugueses. O facto de a Gulbenkian ser privada não faz que o
governo não tenha nada que ver com isso. Tem com certeza, desde que
estejamos a falar do essencial e não da sua gestão. Sobretudo se certas
decisões têm implicações para o país. Aliás, as leis sobre as fundações,
do antigo regime até aos dias de hoje, prevêem circunstâncias em que o
governo tem de se exprimir.
Parece que
os chineses pagam bem. Também consta que não apareceu outro interessado.
Ao que se murmura, terá havido contactos, mas ninguém revelou intenção.
Dito isto, onde está o problema? Será por serem chineses? Certamente
não. O preconceito, frequente em Portugal, sobre certas origens de
capital, tem muito de racista e de fidalgote arruinado. Quando se diz
que um investidor estrangeiro é angolano, chinês, árabe ou russo, há
logo quem tenha arrepios! Já tal não acontece quando os capitais são
espanhóis (onde vai o tempo do medo da vizinha?), europeus ou
americanos.
É verdade que convém a um
Estado não deixar certas coisas ao deus-dará. A origem, legal ou não, de
certos capitais deve ser escrutinada. Será que esse argumento é
bastante? É claro que não. O caso dos investimentos chineses merece
outro exame. Sem preconceitos, pois a China não pode ficar a pagar
eternamente o preço dos rumores do "perigo amarelo", tanto em voga no
século XIX.
A verdade é que a maior
parte dos investimentos chineses em Portugal não é privada nem segue as
regras dos mercados internacionais. Dependem do Estado chinês e são
gestos de política. Há interesses chineses importantes em sectores
vitais, como na produção de energia, gás e electricidade, na rede
eléctrica nacional, na banca, nos seguros, na saúde, nos transportes
aéreos e em muitos sectores dispersos, como o turismo, a hotelaria, a
comunicação e o futebol. Com esta amplitude e com uma visão estratégica
unitária, o governo da China tem a capacidade de orientar a economia
portuguesa de maneira efectiva! O problema não é a China, o problema é
ser um governo estrangeiro, que não pertence à União Europeia e que não
está obrigado às regras e aos costumes dos países da OCDE.
O
governo português tem evidentemente de se ocupar da questão. Tem a
obrigação de dizer o que entende, dado que está em causa uma parte do
legado do senhor Calouste e que a sua alienação não pode ser feita sem
autorização do governo.
A dúvida é
pertinente: por que razão o governo português e as empresas se retiraram
de negócio tão interessante? É verdade que, por causa da dívida e
eventualmente de interesses menores, se assistiu a uma venda ao
desbarato de empresas e "utilidades e serviços públicos". Essa tendência
foi criticada, então, pelas oposições. Por isso não se entende que as
mesmas forças políticas, hoje no poder, não olhem para este assunto com
mais severidade.
A venda "aos chineses"
não é uma venda "aos chineses". É uma venda "ao Estado chinês", o que
não é a mesma coisa. Este último é já proprietário de enormes interesses
em Portugal. Tem uma influência considerável nas decisões nacionais. É
arriscado aceitar que um governo muito poderoso, ainda por cima de um
país que não é membro da União Europeia, tenha tanta influência. Pode
ter más consequências económicas, financeiras e políticas.
A
lei portuguesa obriga e dá ao governo a capacidade e o direito de
autorizar, ou não, a venda de um activo legado pelo fundador. É o caso
de alguns interesses da Gulbenkian em Omã. Não se percebe por que razão o
Governo entende que a participação de Portugal nos negócios do petróleo
não é de interesse nacional.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
18/02/18
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