O “Dia do Perfil dos Alunos”
e o perfil do Governo
A riqueza de um sistema de ensino assenta na diversidade de soluções e não no centralismo de inquisidores pedagógicos.
Se há um “Dia Internacional da Comida Picante” (16 de Janeiro), um
“Dia Mundial das Zonas Húmidas” (2 de Fevereiro), um “Dia do Engolidor
de Espadas” (28 de Fevereiro), um “Dia Mundial da Higiene das Mãos” (5
de Maio), um “Dia Mundial do Mosquito” (20 de Agosto) e um “Dia Mundial
do Pijama” (20 de Novembro), como esperámos tanto para enriquecer o
arquivador da República com o “Dia do Perfil dos Alunos”?
A lacuna foi suprida a 15 de Janeiro transacto, com o glamour
de uma festa muito moderna. No elenco principal brilharam Catarina
Furtado, famosa apresentadora de espectáculos televisivos, e Fernando
Santos, auspicioso treinador de futebol. O elenco secundário foi
constituído por 323 “comunidades educativas” (designação do século XXI
para aquilo a que os arcaicos da minha geração chamavam escolas).
Descido o pano deste Carnaval antecipado, arrisco o veredicto da Quarta-feira de Cinzas.
No âmago da concepção que o secretário de Estado João Costa diz
moderna está o logro de arrastar prosélitos acríticos para a criação do
aluno novo, com um caudal de vacuidades que falharam há duas décadas.
João Costa vem forjando a ilusão de que com iniciativas inferiores se
obterão resultados superiores.
O modo como os alunos integram o
que aprendem nas diferentes disciplinas foi objecto, na anterior
experiência da denominada “gestão flexível do currículo”, de uma
coreografia de actividades de “faz de conta” e de uma sobrecarga de
burocracia escolar e procedimentos inúteis, que agora se repetem.
A
riqueza de um sistema de ensino assenta na diversidade de soluções e
não no centralismo de inquisidores pedagógicos. Qualquer suposto
vanguardismo teórico ou qualquer preponderância de brigadas de
bem-pensantes são elementos castradores da liberdade metodológica e da
beleza de ensinar. Mas foi isso que se celebrou no “Dia do Perfil dos
Alunos”, conseguido remake do “Dia do Luzito” ou do “Dia do Chefe de Quina”.
Não
haverá, nunca, salutar transformação da educação pública sem real
autonomia intelectual, pedagógica e profissional dos professores e das
escolas. Não haverá, nunca, motivação intrínseca para a acção sem uma
profunda descomplicação das leis e das normas, que personificam a
burocracia sem sentido.
Mais que o perfil do aluno é importante
reflectir sobre o perfil do Governo no que à Educação é identificável.
Nesta área não são evidentes reflexos dos progressos económicos com que
todos os dias o discurso oficial nos confronta. Os alunos tiritam com
frio nas escolas porque não há dinheiro para ligar os aquecimentos.
Muitos cursos profissionais estão subfinanciados. As negociações para a
progressão na carreira docente são, antes, expedientes para retrocessos
desrespeitadores do compromisso assinado com os sindicatos no passado
dia 18 de Novembro de 2017. Eterniza-se a falta de pessoal auxiliar e
evidencia-se, consequência persistente de tudo isto, a balcanização da
classe docente, com o nascimento de facções hostis entre si, que não
escondem lamentáveis ódios públicos, expostos nas redes sociais.
Infelizmente, vejo defender o diferenciamento estatutário entre
contratados e não contratados, professores do básico e professores do
secundário, professores velhos e professores jovens.
Opressora e
dominante, a burocracia disputa, hora a hora, o reduzido tempo que resta
aos professores para ensinar. A última descoberta colocou as escolas
num carreiro, vergadas à plataforma, mais uma, criada para recensear
todos os docentes, registando, num desperdício escandalosamente
redundante, todo o tipo de informação que lhes diz respeito, como se o
monstro central não tivesse sucessivas bases de dados e registos
biográficos sobre tudo o que respeita a todos, registos criminais
incluídos. Estivesse eu errado e não teríamos essas sucessivas edições
dos últimos anos sobre o “Perfil do Docente”, cheias de números, quadros
e quadrinhos pica-miolos!
IN "PÚBLICO"
24/01/18
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