Bruno Maçães e um dia
terrível para o jornalismo
O jornalismo que queimou Maçães na praça pública fará com que as verdadeiras vítimas de assédio sexual se escondam. Porquê? Nenhuma vítima vai confiar numa imprensa que não seja credível e, este fim-de-semana, não fomos credíveis.
O que se passou este fim-de-semana em torno do ex-secretário
de Estado dos Assuntos Europeus, Bruno Maçães, foi triste para qualquer
profissional de informação em Portugal. Baseado em 'tweets' de uma
jornalista – que primeiro foi "russa" e depois "americana" –,
escreveu-se que Maçães era "acusado de assédio".
Eu, que não conheço nem tenho grande sintonia ideológica com
Bruno Maçães, não considero o sucedido apenas uma mentira ao leitor,
considero-o um desrespeito total por aqueles que ainda arriscam ter uma
vida política – e consequentemente pública – e por todas as verdadeiras
vítimas de assédio sexual que viram a imprensa dar voz a quem não a
merece.
Lily Lynch partilhou correspondência privada com alguém que
também tivera a sua atenção, culminando na acusação de uma fotografia
íntima enviada por Maçães. Um dos títulos em Portugal foi "ex-secretário
de Estado de Passos acusado de enviar fotos de pénis a jornalista",
quando nada do que Lily Lynch 'tweetou' tinha alguma coisa a ver com a
sua profissão – assim como a sua interação com Bruno Maçães.
O trágico começou – ou prosseguiu – quando, horas mais
tarde, Lily Lynch reagiu à cobertura da imprensa portuguesa como um
"escândalo fabricado", afinal "não-sexual", "algo tão menor que tem
piada" e "uma experiência extremamente engraçada até os tablóides se
envolverem", o que significa que a imprensa deu voz a alguém que diz
"não ser vítima de nada", escreveu "assédio" sobre alguém que nunca se
disse assediada e fez uma história de alguém que diz que "não há
história".
Esse jornalismo, que queimou Maçães na praça pública, fará
com que as verdadeiras vítimas de assédio se escondam. Porquê? Porque
nenhuma vítima vai confiar numa imprensa que não seja credível e, este
fim-de-semana, não fomos credíveis. Contribuiu-se para o assassinato de
caráter de um político e do governo que integrou e, pior, para que um
assunto grave fosse tomado de forma leviana. Para haver um assediador, é
preciso haver uma assediada e escrever que um homem foi "acusado de
assédio" perante um contexto internacional de exposição de predadores
sexuais ignora um contexto e proporciona outro, ainda por cima falso.
A alegada "vítima" lá esclareceu: "No sítio de onde eu
venho, humilhamos regularmente figuras públicas e políticos nas redes
sociais". E foi a isto que o nosso jornalismo deu palco e capa moral.
Sobre Maçães, tenho pena. Ele, que tirou o doutoramento em
Harvard, escreveu no The Guardian, apareceu na BBC, vai publicar um
livro na Penguin com crítica internacional e, pronto, serviu o país,
deve estar a pensar para os seus botões: ser medíocre era muito mais
fácil. Pelo menos em Portugal.
IN "SOL"
19/11/17
NR: A calúnia sempre causou em nós todo o repúdio, por isso damos a maior importância à opinião de SEBASTIÃO BUGALHO.
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