Mulheres não são chatas,
mulheres estão exaustas
É muito fácil taxar uma mulher de chata, de neurótica, de mal
humorada. O difícil é assumir que ela tem uma razão para estar assim. E
que os outros poderiam colaborar para que ela não estivesse assim.
Há um certo tempo venho reparando, com alguma admiração, na
capacidade masculina de ter hábitos e eventos instransponíveis. É mesmo
curioso reparar que na agenda masculina há dezenas de compromissos
inadiáveis: a reunião de trabalho, seus minutos calmos para ir à casa de
banho pela manhã, o horário do jogo, sua corrida diária, os e-mails que
precisam ser respondidos sem falta durante o fim de semana, a cerveja
com os amigos.
Há, de fato, uma espécie de barreira que faz com que ninguém ache que
seus compromissos podem ser negociados ou que sua agenda possa ser
alterada. E, quer saber? Eles estão certos. É quase uma questão de
sobrevivência. O respeito por essas coisas da rotina, tão banais, mas
tão importantes, é o mínimo que todo mundo deveria ter.
Mas é impressionante como a agenda da mulher parece sempre ser
relativa. Se der tempo pode haver uma cerveja com as amigas (mas a gente
já sabe que não vai dar), se der tempo faço meu exercício físico, se
der tempo assisto o que queria na televisão, se der tempo vou à
manicure. Tudo fica a mercê do contexto que a cerca, fugindo ao seu
próprio controle.
Além do “se der tempo”, também temos o “acho que posso adiar”, que
acontece com alguns compromissos de trabalho, com alguns e-mails, com o
corte de cabelo, com a consulta médica. Se aparecer um problema com a
casa, com os filhos, com os pais ou qualquer outra urgência, damos um
jeito de adiar nossos compromissos, que, se estivessem numa agenda
masculina seriam absolutamente inadiáveis.
E é assim que as mulheres vão ficando exaustas. Porque seus
compromissos vão sempre para o fim da fila: cuidamos das coisas da casa,
do relacionamento, das crianças, das urgências do trabalho e, de
repente, percebemos que não houve tempo para cuidarmos de nós mesmas.
Não estou dizendo que os homens não cuidem de tudo isso, mas que eles
(por razões históricas, culturais e psicológicas) não permitem que o que
é importante para eles torne-se secundário.
É aquela velha piada: antes de sair de casa a mulher ajeita a
bagunça, molha as plantas, arruma as crianças, liga para os pais, tira a
roupa do varal, descongela o frango e quando, finalmente, vai se
arrumar, ouve o marido dizer “você ainda não está pronta?!”.
Felizmente, há muitos homens hoje que não se encaixam nesse perfil
que não faz quase nada, não divide as tarefas. Mas, mesmo com essas
mudanças de comportamento, seus compromissos pessoais seguem muito mais
protegidos do que os compromissos da mulher.
É muito fácil taxar uma mulher de chata, de neurótica, de mal
humorada. O difícil é assumir que ela tem uma razão para estar assim. Ou
pior: que os outros poderiam colaborar para que ela não estivesse
assim. Mulheres, em geral, só estão cansadas. Cansadas de dar conta de
tudo, cansadas de “dar um jeito” e de, mesmo assim, estarem sempre no
final da fila. Principalmente na final da fila da sua própria vida.
IN "OBSERVADOR"
25/11/17
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