Henrique,
o homem que ensombrou
o primeiro 5 de Outubro
A morte precoce de Carolina Beatriz Ângelo, a primeira
mulher a votar em toda a Europa do Sul, foi um mau prenúncio para a
festa do 1º aniversário da República. Como se isso não bastasse, a mal
sucedida tentativa de golpe chefiada por Paiva Couceiro quase estragava
os festejos do primeiro feriado do 5 de Outubro
.
A dois meses de fazer 50 anos, o militar Henrique Mitchell de Paiva
Cabral Couceiro, defensor da causa monárquica e do Integralismo
Lusitano, entrou em Vinhais com as suas tropas, no dia 4 de outubro de
1911, véspera do primeiro aniversário da implantação da República. “Ao
ter-se notícia d'esse audacioso movimento foi enviada para o norte uma
força de marinheiros no sentido de auxiliar os regimentos escalonados
por toda a raia hespanhola”, lê-se na revista “Illustração Portugueza”
O
governo de João Chagas levou a sério a “invasão monarchica” e enviou
para o norte “215 praças comandadas pelo 1º tenente sr. Affonso Júlio de
Cerqueira”. Mobilizaram-se tropas para combaterem os “paivantes”,
incluindo as “metralhadoras de caçadores 5” para o confronto com os
monárquicos insurrectos que tinham entrado em território português pela
zona de Bragança, concentrando-se em Vinhais.
No dia 5 não houve
jornais. Era o dia em que se deveriam concentrar todas as atenções nos
festejos do primeiro feriado do 5 de Outubro, “consagrado aos heroes da
Republica” [cf. Diário do Governo de 13 de outubro de 1910].
Não
existindo [ainda] a rádio como meio de difusão de notícias, só se soube
da intentona na sexta-feira, 6 de outubro; “A Capital”, vespertino de
Lisboa, relata na primeira página que uma telefonista de Vinhais
conseguiu fechar-se à chave dentro da estação para fazer chegar a
Bragança informações sobre a chegada das tropas hostis à República.
Paiva
Couceiro, que já estava exilado na Galiza, reuniu um grupo de apoiantes
da causa monárquica, um regimento de 700 a mil homens, que entraram
pela raia transmontana e assentaram acampamento em Vinhais. Depois do
confronto com as tropas republicanas, a coluna realista recuou para a
fronteira e regressou a Espanha. A atuação do Ministro da Guerra,
general Pimenta de Castro, foi “vista como muito branda” por alguns
membros do Executivo, levando à sua exoneração.
Ao longo do verão
de 1911, os republicanos montaram um sistema de vigilância na fronteira
do Minho e de Trás-os-Montes, prendendo os principais suspeitos e
fazendo propaganda junto da população, de forma a alertá-la contra uma
possível intentona monárquica.
As tropas republicanas, superiores
em número e armamento, foram reforçadas por efetivos e voluntários que
partiram de Lisboa. Foram muitos os que desertaram da coluna monárquica,
que não conseguiu ser apoiada pela população da zona. A primeira
intentona de Paiva Couceiro acabaria por ditar as relações entre
Portugal e Espanha, que terá limitado os movimentos dos conspiradores
monárquicos no seu território.
As manobras militares de Paiva
Couceiro ensombraram a comemoração do primeiro aniversário da
implantação da República. Os países precisam de símbolos e nesse 5 de
outubro de 1911 as atenções deveriam ter estado focadas no içar da nova
bandeira do regime [foi içada pela primeira vez nas celebrações do 1º de
Dezembro de 1910].
O papel das mulheres republicanas
Um
ano antes, no dia da proclamação da República, a bandeira içada na
Câmara Municipal de Lisboa foi bordada pelas republicanas Carolina
Beatriz Ângelo e Adelaide Cabete.
.
A médica era viúva do seu primo Januário Gonçalves Barreto Duarte;
Januário ficou órfão muito cedo e foi casapiano. Um ano mais velho do
que Carolina, era médico, como ela. Casaram-se em 1902, e ele morreu
súbita e precocemente a 23 de junho de 1910, sem ter tido o gosto de
assistir à queda da Monarquia.
Para enfrentar a dor de ficar
viúva aos 32 anos, Carolina dedicou-se mais ao consultório e à atividade
maçónica e republicana. Sentia-se cada vez mais cansada e, talvez por
isso, redigiu “uma declaração para ser enterrada civilmente, a qual
seria tornada pública no ano seguinte aquando das respetivas exéquias”,
conta o historiador João Esteves.
Morreu aos 33 anos, quatro
meses depois de ter enfrentado um Parlamento e um governo
pós-revolucionário que queriam que o direito de voto permanecesse
masculino. Mais ‘moderada’ do que a companheira de luta com quem bordou a
bandeira que foi usada no dia da proclamação da República, Carolina
defendia o direito ao voto com “restrições”, enquanto Maria Veleda
queria o voto para todas as mulheres, como explica João Esteves.
IN "EXPRESSO"
05/10/17
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