Bem-vindo Advogado bufo...
"Pelo facto da Lei não ser clara é que existem os advogados..."
As
recentes atribuições dadas aos advogados (se é que assim se podem
chamar), estão muito perto de provocar a alteração da sua designação
profissional, de “Advogado” para “Advogado Bufo”.
E
não, não é uma nova especialidade na classe, é mesmo a designação
genérica. Agora vamos ter advogados bufos especialistas em direito
laboral, advogados bufos especialistas em direito fiscal, advogados
bufos especialistas em direito administrativo e por aí adiante.
Refiro-mo,
e sem utilizar grandes referências legislativas, ao facto da
transposição para a ordem interna de uma legislação comunitária prever a
obrigação dos advogados terem de denunciar os seus clientes, que
suspeitem estar envolvidos em branqueamento de capitais (grosso modo). O
simples ato de se falar disso deixa-me em pânico.
De
facto, é de lamentar que o sigilo profissional a que está obrigado um
advogado seja visto como um privilégio da classe e não como um direito
do cidadão.
Das duas uma, ou mudam o nome da classe
para Advogado Bufo, ou acabam com a profissão. Afinal, se realizarem tal
procedimento para todos os crimes tipificados, é muito fácil à justiça
culpar uma pessoa, dado que, se o cliente contar os factos de
determinado acontecimento ao seu advogado (e já nem falo em suspeitas
que este possa ter), obriga este último a ir de imediato contar tuda à
justiça e assim fica resolvido o caso. Afinal a prova testemunhal é a
rainha das provas, e esta vai servir, de certaza, para o efeito.
O
esquema é o seguinte, cometo um crime, conto-o ao meu advogado para ele
me defender/representar, e ele vai de imediato denunciar-me e/ou contar
ao juíz. Assim sempre é mais fácil a este último tomar uma decisão, sem
a polícia ter de investigar.
Não sei que tipo de regime político é esse, mas não é típico de uma democracia.
Na
verdade, agora temos dois juízes a quem prestar contas. Ao advogado
bufo (que tem de decidir se é relevante denunciar ou não), e ao juíz de
direito. Se o primeiro não nos levar à condenação, temos o segundo para
ver o que dá.
Antigamente dizia-se que tinha de se
contar tudo ao advogado (não podiam existir segredos), para que este
melhor nos defendesse/representasse, mas agora é preciso cuidado...
Estarão
provavelmente a delirar com a minha estupidez. - Então vens para aqui
defender os prevaricadores, não é teu objetivo combater a fraude?,
perguntam.
Na verdade tudo é bem mais complexo que
isto, mas importa-me neste caso, alertar para o facto de poder estar em
causa um direito dos cidadãos, de se defenderem convenientemente. Cabe a
outros a investigação e a condenação (se for o caso), não podemos
misturar.
Eu costumo dizer que a Lei não é clara,
nem objetiva (apesar de muitas vezes o parecer quando a lemos), e a
prova disso são os advogados. Pelo facto da Lei não ser clara é que
existem os advogados. Uma parte interpreta-a de uma forma, a outra parte
de outra, e quem decide é o juiz. Cabe a cada advogado pugnar junto da
justiça pela respetiva interpretação.
O papel do
advogado é representar o interesse da parte que defende, no natural
pressuposto de que essa defesa tenha em atenção a Lei, a ética e a sua
consciência (estas últimas por vezes voláteis, ainda que previstas no
ordenamento deontológico da classe, que a eles respeita).
Fará algum sentido, em qualquer que seja o crime cometido, que assim não seja?
Eu
ainda acredito no Estado de Direito, e no princípio de que todos são
inocentes até prova em contrário. Agora que seja o meu
defensor/representante jurídico a denunciar-me, é algo que me parece
atroplear liminarmente as competências da profissão e a relegam para um
estatuto de subalternidade e dependência pouco compatíveis com esta.
O
que me deixa mais sossegado é o facto desta legislação nunca vir a ser
aplicada (como é óbvio), pois nenhum advogado a cumprirá (nem será
punido por isso, porque nunca ninguém descobrirá que este sabia ou
desconfiava de algo para denunciar), provando que nem sempre os fins
justificam os meios, apesar deste fim último ser de vital importância
para todos nós.
Estamos portanto, na minha opinião, perante uma legislação ineficaz.
Vale a pena pensar nisto.
E não... não sou advogado!
IN "VISÃO"
04/10/17
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