HOJE NO
"EXPRESSO"
Perito diz que falta isenção a quem
.autoriza ‘barrigas de aluguer’
.autoriza ‘barrigas de aluguer’
Primeiro presidente eleito do Conselho de Ética critica a atividade privada de decisores da procriação medicamente assistida. Miguel Oliveira da Silva publica livro para reflexão
Primeiro
foi o diretor-geral da Saúde e agora é o antigo presidente do Conselho
Nacional de Ética para as Ciências da Vida entre 2009 e 2015. Francisco
George, em entrevista recente ao Expresso, e Miguel Oliveira da Silva
criticam a composição do organismo a quem compete autorizar a procriação
medicamente assistida em Portugal, seja para a inseminação de mulheres
solteiras ou para a gestação de substituição, vulgarmente ‘barriga de
aluguer’. Os dois responsáveis afirmam que há conflito de interesse
porque alguns elementos do Conselho Nacional de Procriação Medicamente
Assistida (CNPMA) exercem atividade privada nesta área clínica.
.
“Há que interrogar como é que o CNPMA, cujo núcleo duro se mantém há mais de dez anos, pode ter autoridade para avaliar pedidos quando o integram elementos que são parte interessada também no sector privado e que, em três tempos diferentes, intervêm na regulamentação da lei enquanto comissão de regulamentação, consultas ao CNPMA e consultas ao diretor do centro de procriação medicamente assistida”, critica Miguel Oliveira da Silva. Em causa está a atividade clínica de alguns dos nove elementos que constituem o Conselho.
Presidente do CNPMA desde 2007, Eurico Reis, não comenta as críticas por não ter lido a entrevista de Francisco George, nem o livro de Miguel Oliveira da Silva, a publicar dentro de alguns dias. Ainda assim, o juiz refere que a este “momento não é seguramente estranha a circunstância de se estar a aproximar o final do segundo mandado do CNPMA, que irá ocorrer em final de dezembro”.
A alegada falta de isenção do CNPMA é referida por Miguel Oliveira da Silva, professor de Ética Médica na Faculdade de Medicina de Lisboa, apenas como uma das questões “para um debate de cidadãos”, como propõe num livro dedicado à “eutanásia, suicídio ajudado e barrigas de aluguer” que vai publicar. Mais recente e delicada, a gestação de substituição merece-lhe destaque.
“Votei a favor (enquanto presidente do CNECV) em casos muito limitados, por exemplo entre irmãs e para situações clínicas. Mas a lei é subtil, precisa de ser lida e relida e o mais importante é o que não está escrito.” O apoio psicológico apenas obrigatório antes da eventual gravidez, o acesso total a não-residentes, a ausência de uma idade limite e de filhos prévios da gestante, a prioridade dada no Serviço Nacional de Saúde e o anonimato da identidade e história biológica da futura criança são algumas das premissas que contesta no livro e que devem ser alvo de uma análise profunda.
O obstetra defende que o contrato assinado entre as partes “preveja, tanto quanto possível, tudo o que fazer quando alguma coisa corre mal”. Por exemplo, malformações diagnosticadas tardiamente ou só depois do parto, incumprimento da grávida às restrições impostas, divergências sobre a eventual interrupção da gravidez, escolha do local e tipo de parto, decisão sobre a amamentação ou alterações na vida dos beneficiários, por exemplo “separam-se ou um deles morre e ninguém quer ficar com o recém-nascido”, lê-se. “Neste contexto, já alguém viu ou acredita que uma mulher rica vai emprestar o seu útero a um casal pobre?”, questiona.
A lei não permite que a ‘barriga de aluguer’ seja paga mas Miguel Oliveira da Silva — o primeiro presidente eleito e não nomeado para o CNECV — alerta que podem existir formas dissimuladas, como pagar a renda, as contas, o vestuário. Por isso, o contrato tem de deixar claro “quais as reais motivações que levam uma mulher a querer ser grávida de substituição”. Mas não só. Para o professor de Ética faltam na lei aspetos como a idade máxima da gestante, em vários países 40 anos, o número de vezes em que pode ceder-se o útero e a proteção da criança.
Identidade genética deve ser revelada
“Várias vezes se fala no interesse da criança mas nem por uma vez se aconselham os futuros pais a revelarem as circunstâncias da sua identidade e história biológica, veremos se aparece no consentimento informado a elaborar pelo CNPMA”, sugere. Na prática, o médico defende que o anonimato não protege a criança. “Há anos, tolerei a doação anónima, então só de esperma, mas os estudos feitos a crianças nascidas por PMA dez a 15 anos depois vieram revelar que queriam saber se tinham irmãos e quem tinha sido o dador e no norte da Europa a doação já não é obrigatoriamente anónima. Além disso, a nossa constituição diz que as pessoas têm o direito à sua identidade genética.” Por outras palavras, “é o regresso do pai anónimo”.
A possibilidade de aceder à história biológica está no Tribunal Constitucional e espera-se uma decisão. O CDS e vários deputados do PSD pediram a fiscalização sucessiva da lei, publicada há um ano, e ainda não teve resposta, que também não tem um prazo para ser dada.
Especialista em direito médico, André Dias Pereira critica o anonimato. “O legislador entendeu que estas crianças nunca vão conhecer o pai.” E resume a questão: “Durante 100 anos estivemos numa guerra pela paternidade e agora vem dizer-se que as crianças nascidas por PMA nunca terão um pai, nem anónimo [ou mãe no caso das dadoras ou gestante em situações de maternidade de substituição]”, afirma André Dias Pereira.
O QUE DIZ A LEI
O recurso à gestação de substituição só é possível a título excecional e com natureza gratuita, nos casos de ausência de útero e de lesão ou doença deste órgão que impeça de forma absoluta e definitiva a gravidez ou em situações clínicas que o justifiquem
Privilegiar a ligação da mãe genética com a criança ao longo da gestação de substituição, circunscrevendo-se a relação da gestante com a criança nascida ao mínimo possível, pelos potenciais riscos psicológicos e afetivos
Deve ser garantido à gestante um acompanhamento psicológico antes e após o parto
O parto da gestante de substituição beneficia do regime equivalente ao previsto para situação de interrupção da gravidez.
* Pede-se apenas dignidade.
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“Há que interrogar como é que o CNPMA, cujo núcleo duro se mantém há mais de dez anos, pode ter autoridade para avaliar pedidos quando o integram elementos que são parte interessada também no sector privado e que, em três tempos diferentes, intervêm na regulamentação da lei enquanto comissão de regulamentação, consultas ao CNPMA e consultas ao diretor do centro de procriação medicamente assistida”, critica Miguel Oliveira da Silva. Em causa está a atividade clínica de alguns dos nove elementos que constituem o Conselho.
Presidente do CNPMA desde 2007, Eurico Reis, não comenta as críticas por não ter lido a entrevista de Francisco George, nem o livro de Miguel Oliveira da Silva, a publicar dentro de alguns dias. Ainda assim, o juiz refere que a este “momento não é seguramente estranha a circunstância de se estar a aproximar o final do segundo mandado do CNPMA, que irá ocorrer em final de dezembro”.
A alegada falta de isenção do CNPMA é referida por Miguel Oliveira da Silva, professor de Ética Médica na Faculdade de Medicina de Lisboa, apenas como uma das questões “para um debate de cidadãos”, como propõe num livro dedicado à “eutanásia, suicídio ajudado e barrigas de aluguer” que vai publicar. Mais recente e delicada, a gestação de substituição merece-lhe destaque.
“Votei a favor (enquanto presidente do CNECV) em casos muito limitados, por exemplo entre irmãs e para situações clínicas. Mas a lei é subtil, precisa de ser lida e relida e o mais importante é o que não está escrito.” O apoio psicológico apenas obrigatório antes da eventual gravidez, o acesso total a não-residentes, a ausência de uma idade limite e de filhos prévios da gestante, a prioridade dada no Serviço Nacional de Saúde e o anonimato da identidade e história biológica da futura criança são algumas das premissas que contesta no livro e que devem ser alvo de uma análise profunda.
O obstetra defende que o contrato assinado entre as partes “preveja, tanto quanto possível, tudo o que fazer quando alguma coisa corre mal”. Por exemplo, malformações diagnosticadas tardiamente ou só depois do parto, incumprimento da grávida às restrições impostas, divergências sobre a eventual interrupção da gravidez, escolha do local e tipo de parto, decisão sobre a amamentação ou alterações na vida dos beneficiários, por exemplo “separam-se ou um deles morre e ninguém quer ficar com o recém-nascido”, lê-se. “Neste contexto, já alguém viu ou acredita que uma mulher rica vai emprestar o seu útero a um casal pobre?”, questiona.
A lei não permite que a ‘barriga de aluguer’ seja paga mas Miguel Oliveira da Silva — o primeiro presidente eleito e não nomeado para o CNECV — alerta que podem existir formas dissimuladas, como pagar a renda, as contas, o vestuário. Por isso, o contrato tem de deixar claro “quais as reais motivações que levam uma mulher a querer ser grávida de substituição”. Mas não só. Para o professor de Ética faltam na lei aspetos como a idade máxima da gestante, em vários países 40 anos, o número de vezes em que pode ceder-se o útero e a proteção da criança.
Identidade genética deve ser revelada
“Várias vezes se fala no interesse da criança mas nem por uma vez se aconselham os futuros pais a revelarem as circunstâncias da sua identidade e história biológica, veremos se aparece no consentimento informado a elaborar pelo CNPMA”, sugere. Na prática, o médico defende que o anonimato não protege a criança. “Há anos, tolerei a doação anónima, então só de esperma, mas os estudos feitos a crianças nascidas por PMA dez a 15 anos depois vieram revelar que queriam saber se tinham irmãos e quem tinha sido o dador e no norte da Europa a doação já não é obrigatoriamente anónima. Além disso, a nossa constituição diz que as pessoas têm o direito à sua identidade genética.” Por outras palavras, “é o regresso do pai anónimo”.
A possibilidade de aceder à história biológica está no Tribunal Constitucional e espera-se uma decisão. O CDS e vários deputados do PSD pediram a fiscalização sucessiva da lei, publicada há um ano, e ainda não teve resposta, que também não tem um prazo para ser dada.
Especialista em direito médico, André Dias Pereira critica o anonimato. “O legislador entendeu que estas crianças nunca vão conhecer o pai.” E resume a questão: “Durante 100 anos estivemos numa guerra pela paternidade e agora vem dizer-se que as crianças nascidas por PMA nunca terão um pai, nem anónimo [ou mãe no caso das dadoras ou gestante em situações de maternidade de substituição]”, afirma André Dias Pereira.
O QUE DIZ A LEI
O recurso à gestação de substituição só é possível a título excecional e com natureza gratuita, nos casos de ausência de útero e de lesão ou doença deste órgão que impeça de forma absoluta e definitiva a gravidez ou em situações clínicas que o justifiquem
Privilegiar a ligação da mãe genética com a criança ao longo da gestação de substituição, circunscrevendo-se a relação da gestante com a criança nascida ao mínimo possível, pelos potenciais riscos psicológicos e afetivos
Deve ser garantido à gestante um acompanhamento psicológico antes e após o parto
O parto da gestante de substituição beneficia do regime equivalente ao previsto para situação de interrupção da gravidez.
* Pede-se apenas dignidade.
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