02/07/2017

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a eterna mistura explosiva

Suspeita de abuso de menores afasta cardeal das Finanças e pode pôr em causa reformas do Papa

A reforma económica do Vaticano, após pelo menos um século de escândalos periódicos, foi pedida com urgência no conclave que elegeu Jorge Bergoglio, em 2013. Este incentivou-a desde que passou a ser o Papa Francisco. Era uma das mais prioritárias e complexas, mas agora corre o perigo de naufragar. O cardeal australiano George Pell, uma espécie de superministro da Economia e das Finanças que a cidade-estado e a Santa Sé (cúpula da igreja católica) nunca tivera, foi acusado de abuso sexual de menores. É um rude golpe, quase mortal.
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O cardeal, de 76 anos e com saúde precária, renunciou à imunidade diplomática para se deixar processar a partir de 18 de julho, na Austrália. “Irei, defender-me-ei e regressarei ao trabalho em Roma”, prometeu. O mais provável, contudo, é que não volte ao Vaticano ou que, caso o faça, o cargo já esteja ocupado por outro cardeal. Desde quinta-feira passada a sua presença foi excluída de todos os atos oficiais do Vaticano. Formalmente, Pell pediu licença sem vencimento.

As autoridades australianas acusam o sacerdote de, pelo menos, três casos de abuso sexual de menores e de um número indefinido de encobrimentos de abusos cometidos por párocos, quando Pell foi bispo. O anúncio de que um cardeal vai ser julgado, pela primeira vez na história, foi feito pelo próprio, numa conferência na sala de imprensa do Vaticano, a uma hora inédita: 8h30 da manhã: algo nunca visto. 

Nos anos 80, João Paulo II resolvera de modo discreto os casos de abusos cometidos pelo cardeal de Viena, Hans Wilhelm Groër: demitiu-o e encerrou-o num convento. Pell já contava dois anos de interrogatórios policiais, manifestações contra a sua figura e inúmeras investigações jornalísticas, mas continuava secretário para a Economia. Quando inquirido sobre o caso de Pell, em julho do ano passado, Francisco respondeu: “Não seria bom emitir um juízo a favor ou contra porque estaria a julgar por antecipação”. O Papa encerrou o assunto afirmando: “Falarei quando a justiça o fizer”.

Estrangeiro nas finanças
Não nos deixemos enganar pelo modesto nome da Secretaria para a Economia. Trata-se de uma superstrutura, que nunca existira, com o objetivo de aprovar, controlar, supervisionar e certificar todos os orçamentos, contabilidade e investimentos de todos os organismos do Vaticano e da Santa Sé. Foi uma das reformas mais complexas pedidas no conclave de 2013.

A nomeação, em 2014, do “estrangeiro” Pell para aquele cargo foi como que um murro no estômago dos clérigos italianos. Estes geriam à vontade as finanças da cúpula católica desde 1929, ano em que Itália e o Vaticano assinaram a paz que consagrou a perda pela Santa Sé dos Estados Pontifícios.
Vários organismos do Vaticano tentaram fugir ao controlo do “forasteiro” Pell. Uma série de religiosos alimentou as suspeitas de pederastia que vinham da Austrália, o que não significa que não tenham fundamento. 

“Não abusei sexualmente de ninguém, em lado nenhum, em momento nenhum da minha vida. As acusações são totalmente falsas e equivocadas”, garantiu Pell a uma televisão australiana. 

“As alegações foram apresentadas por vários queixosos”, explicou, telegraficamente, o subcomissário do Estado australiano de Victoria, Shane Paton, que dirigiu as investigações.

Nos papados de Bento XVI e Francisco, o Vaticano aplicou ao Instituto para as Obras Religiosas (IOR), conhecido como o banco do Papa, as normas internacionais de controlo de bancos, branqueamento de capitais e terrorismo. 

Todos os organismos do Vaticano, com duas exceções, estão sob a tutela da Secretaria para a Economia, onde deixará de estar o “forasteiro”, ou seja, o não-italiano que a chefiava.

Se Francisco substituir Pell, esse gesto será interpretado como uma admissão de culpa. Se não o fizer, a gigantesca reforma pode soçobrar. Como se passarão as coisas? Os crentes em Deus costumam dizer que a Divina Providência tem muitas formas de resolver um problema… 

* Mais uma nódoa sebenta na sotaina católica.

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