Montepio, Santa Casa e
uma ajuda indirecta do Estado
Associação Mutualista Montepio Geral, com uma actividade não questionada, é detentora da Caixa Económica Montepio Geral (CE).
Quem acompanha regularmente a comunicação social, principalmente a
especializada em assuntos económicos, tem uma noção dos problemas,
enredos, intrigas e factos com alguma suspeição de que têm estado
associados nos últimos anos à instituição financeira. Por não ser, de
facto, uma entidade bancária não tem tido a supervisão financeira
necessária - admitindo que neste caso não haveria erros e omissões. Por
erros de gestão, mais ou menos gravosos, a CE encontra-se numa muito
difícil situação financeira, classificada como superlixo, e com uma
necessidade premente de um aumento de capital. Não é conhecida a
dimensão real da saída de depositantes nos últimos seis meses.
Segundo
notícia recente do Jornal de Negócios (6 de Junho), alguns bancos
poderiam estar interessados na entrada no capital social da CE - o
Santander, em especial, mas eventualmente também o BCP e o BPI. Mas o
Banco de Portugal (BdP) faz uma leitura muito restrita do regime das
caixas económicas (quais, além da CE?): a participação no capital só
poderá ser efectuada por uma qualquer entidade do sector social. Ora, em
vez de propor a alteração do quadro jurídico, o governador do Banco de
Portugal - organização, repita-se, que nunca supervisionou a CE -
encontrou a única entidade de cariz social com muito dinheiro: a Santa
Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML).
A
SCML é uma pessoa colectiva de direito privado e utilidade pública
administrativa com tutela exercida pelo membro do Governo que
superintende a área da Segurança Social, segundo os Estatutos aprovados
no final de 2008. Foi neste mesmo ano que foi tomada uma inesperada e
não justificada decisão: o orçamento da SCML passou a integrar o
perímetro das Administrações Públicas e, assim, enquanto um Fundo e
Serviço Autónomo do Ministério da Segurança Social, o Orçamento do
Estado.
Seria impossível resumir aqui o magnífico trabalho
desenvolvido por esta instituição nos domínios da acção social
(crianças e jovens, idosos, grupos vulneráveis, entre outros) e da saúde
(nela está integrado, por exemplo, o Centro de Medicina de Reabilitação
de Alcoitão). Também não seria simples identificar aqui os imensos
projectos - alguns absolutamente imprescindíveis como os cuidados
continuados - já anunciados pelo seu provedor, quer em "placards" por
Lisboa quer em órgãos da comunicação social escrita. Ora, a vasta gama e
alcance da intervenção social e os novos projectos só são realizáveis
devido à capacidade financeira da SCML e à gestão prudente dos
sucessivos provedores. Segundo dados de 2016: as vendas brutas dos jogos
ascenderam a 2.775 milhões de euros com um resultado líquido de 675
milhões; as propriedades de investimento e os depósitos atingiram 295 e
198 milhões de euros, respectivamente.
Segundo os seus
Estatutos: "A SCML tem como fins a realização da melhoria do bem-estar
das pessoas, prioritariamente dos mais desprotegidos (…) de acordo com a
tradição cristã (…) do seu compromisso originário e da sua secular
actuação em prol da comunidade". Segundo o próprio provedor: "As contas
de 2016 representam um ano de transição para um novo mandato que vai
definir novos objectivos estratégicos (…) para melhor realizarmos as
causas da Misericórdia e as promessas do Estado Social".
Sendo
certo que a SCML recebe heranças e donativos, a concessão pelo Estado
dos jogos sociais tem um papel fulcral e seguro em termos de receitas e
de rentabilidade. O governador da BdP decidiu atribuir um enorme prémio à
(má gestão) da CE, com uma falsa indiferença do Governo. Infelizmente,
temos assistido a decisões inexplicáveis, mas nenhuma segundo a tradição
cristã.
*Professora universitária(ISEG) e investigadora. Economista
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
15/06/17
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