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"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
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"O lobby da energia tem
condicionado os governos"
Henrique Gomes demitiu-se em 2012 do cargo de secretário de Estado da Energia de Passos Coelho por pressão das energéticas
Nove
meses depois de ter tomado posse como secretário de Estado da Energia
no governo de Pedro Passos Coelho, em 2011, Henrique Gomes bate com a
porta no executivo.
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Pelo caminho fica a tentativa de impor uma
contribuição extraordinária ao setor da energia, bem como a revisão dos
contratos que garantem uma remuneração fixa às elétricas - o caso dos
agora famosos CMEC, os Custos de Manutenção para o Equilíbrio
Contratual. Nesta entrevista Henrique Gomes fala sobre a sua passagem
pelo governo, como Vítor Gaspar lhe travou o passo quando argumentou que
o corte nas rendas excessivas no setor da energia era uma forma de
aliviar a economia e os portugueses. E como um relatório que chegou numa
quinta-feira ao ministério da Economia e seguiu na manhã seguinte para o
gabinete do primeiro-ministro, à hora de almoço já era do conhecimento
da EDP. Apesar do desfecho diz-se "grato" pela experiência governativa.
Mas pelo que não foi possível fazer "não ficaria lá mais tempo nenhum".
É
sabido que defende que se devia ter ido mais longe no corte das rendas
da energia. Na sua perspetiva até onde é que se pode, ou deve, ir?
Deixe-me
começar por um enquadramento. Estamos neste momento já na terceira
diretiva europeia para a energia, que está a tentar resolver todas as
preocupações do que será todo o sistema elétrico baseado em energias
renováveis. Isso acarreta alterações significativas na gestão dos
próprios mercados e uma atuação de toda a produção que tem de ser
concorrente no mercado, sem outros apoios. Portanto, tudo o que seja
subsídios tem de ser eliminado o mais depressa possível, já devia ter
sido eliminado. É assim com as renováveis. Na produção em regime
ordinário os apoios deviam ter acabado com a primeira diretiva, que
obrigou as hídricas e as centrais térmicas a ir ao mercado. Claro que
tem que haver uma fase de transição, os espanhóis também a fizeram. Mas
quando chegaram, salvo erro aos 3000 milhões de euros de subsídios à
produção, fecharam a torneira, só ficaram uns apoios muito pontuais. Os
espanhóis desde 2007 que não têm esses apoios.
Porque é que isso não foi feito em Portugal?
Nós
atrasámo-nos um pouco, por um lado. E por outro arranjámos os CMEC
[Custos de Manutenção para o Equilíbrio Contratual], que também estão a
acabar, estão agora a começar a acabar. E este é o ano da revisibilidade
desses contratos.
Considera que o setor elétrico em Portugal tem sido protegido, tem sido sobre remunerado com estes vários apoios?
Com
certeza que é sobre remunerado. Basta ver a decomposição dos custos
para a formação dos preços. Este ano esses custos representam cerca de
1900 milhões de euros. Para o próprio CMEC, este ano, estavam previstos -
é uma previsão - 300 milhões. Numa coisa que deveria ser um apoio
mínimo para compensar a passagem para mercado. Estes apoios deviam ter
sido muito mais reduzidos e foram mal negociados.
A investigação que está em curso faz supor que podem ter sido outra coisa...[Foram já constituídos sete arguidos por suspeitas de corrupção, ativa e passiva, e participação económica em negócio, na sequência da investigação às rendas pagas pelo Estado à EDP].
Não sei qual o âmbito da investigação e não vou falar sobre ela.
Considera possível uma decisão unilateral do Estado em relação a estes contratos?
É
muito difícil. E repare que, quando estive no governo, a minha primeira
abordagem não foi essa. Foi criar uma contribuição ao setor elétrico,
ao sistema elétrico nacional, aos produtores. O resultado dessa
contribuição iria para um fundo de equilíbrio do sistema elétrico, fundo
esse que seria alimentados pelos consumidores, pelo Estado e pelos
coprodutores, que pagariam essa contribuição na medida das potências
instaladas - todos aqueles que não tivessem ido a mercado. A
contribuição era temporária e era universal. Tinha uma lógica de
aplicação, é uma medida na órbita da discricionariedade do Estado e era
constitucional. E tinha um enquadramento, relativamente à troika, que
era favorável. Não se fez isso...
E porque é que não se fez?
Teve-se
medo de perturbar a privatização [da EDP]. Não se fez uma medida
estrutural, importantíssima, que resolveria o equilíbrio do sistema
elétrico por, quase, um prato de lentilhas. A esse propósito , aconselho
as pessoas a lerem o relatório da auditoria do Tribunal de Contas à
privatização das empresas do setor energético. Estão lá as conclusões. O
produto da privatização foi para abater à dívida e vê-se qual foi o
resultado desse abatimento. Foi um resultado modesto.
O
ex-ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira - que era o titular da
pasta quando foi secretário de Estado - disse ontem ao jornal Público
que o lobby da energia teve "uma influência nefasta no país". Concorda
com esta afirmação?
Concordo. O
lobby da energia defende os seus direitos e os seus interesses, daí não
vem mal ao mundo. Mas o lobby da energia tem condicionado os governos. E
isso acho mal, é um erro.
O lobby da energia condiciona o poder político?
O
erro não é que as empresas defendam os seus interesses, é que o Estado
não defenda os seus. Chamo a atenção para qual é o poder económico de
que estamos a falar. Estamos a falar de três empresas, um pequeno grupo -
EDP, EDP Renováveis, GALP e REN, que é pequenina no meio disto tudo.
Estas empresas, em conjunto, representam 42, 43% de todo o PSI20. Este
valor concentrado em três empresas... está a ver o poder que pode ter.
Estes lobbys tiveram alguma coisa a ver com a sua saída do governo?
Sim, são públicas algumas histórias, que eu aliás só vim a saber mais tarde.
E não sentiu apoio político nessa sua batalha pela diminuição das rendas da energia?
Não
muito. Não levo isso a mal essencialmente por dois motivos. Primeiro, a
grande preocupação nessa altura era a dívida. É uma inconfidência, mas
lembro-me, numa das reuniões que tive logo no início com a secretária de
Estado das Finanças da altura, Maria Luís Albuquerque, para explicar
aquilo que pensava... Estávamos reunidos, ela é chamada, interrompe a
reunião. Reaparece meia hora depois, estava completamente lívida e o
comentário que fez foi : "Desculpe, temos que interromper a reunião. O
país não tem dinheiro para nada. Estamos na bancarrota".
Mas é chamada por quem? Pelo ministro? [À data, o titular das Finanças era Vítor Gaspar].
Não
sei. Sei que vinha lívida, apavorada. A grande preocupação era essa,
era a dívida. E foi a privatização [da EDP]. No caso da energia, a
preocupação era fazer dinheiro de qualquer maneira, por pouco que fosse.
Não se soube pesar nem o valor de uma reforma da energia - do lado das
Finanças não havia sensibilidade para isso. E quem assessorava o
primeiro-ministro e as Finanças também terá tido alguma influência.
Chegou a pedir um estudo à Universidade de Cambridge, que acabou na gaveta e nunca foi usado...
Eu
pedi esse estudo na sequência do relatório da segunda revisão do
memorando de entendimento. O governo compromete-se então numa medida
nova, uma medida de benchmarking - medidas de benchmarking eram aquelas
que, na revisão seguinte, não podiam falhar, sob pena de de falhar tudo.
Havia muitas medidas, que se iam fazendo, e havia as de benchmarking,
que eram para cumprir. E a medida nova era o governo comprometer-se a
determinar todas as rendas excessivas - é a primeira vez que aparece o
termo rendas excessivas - de todas as naturezas, na produção de energia.
E a entregar esse relatório até 31 de janeiro. Estávamos em dezembro de
2011, tive que montar uma equipa, e uma das coisas que era necessário
era saber quais as remunerações de referência, nos mercados e em toda a
Europa. Nós não tínhamos meios para fazer isso de uma forma competente,
andámos à procura, a equipa da universidade de Cambridge tem nome, é uma
equipa boa. O que essa equipa fez foi um levantamento do que eram as
rentabilidades de referência, ano a ano, para as diversas formas de
produção [de energia]. Sobre este relatório fizeram-se então as contas.
Foi o tal trabalho que depois foi desconsiderado. Foi um trabalho
interessante, foi entregue ao ministro Álvaro [Santos Pereira] numa
quinta-feira ao fim do dia, em papel, o sr. ministro leu durante a
noite, falou connosco de manhã, fizemos os ajustes que ele achou por
necessários e mandou entregar ao sr. primeiro-ministro ao fim da manhã. À
hora de almoço, estava a almoçar com a minha equipa, começámos a
receber chamadas da EDP a perguntar que relatório era aquele. Passados
uns dias, o relatório era desvalorizado porque tinha erros e porque não
era por ser em inglês que seria bom . Ok, percebe-se a desvalorização,
não se percebe é porque do nosso lado, do lado do governo - onde também
se repetiu esse discurso de que o relatório tinha erros - não se tivesse
indicado e discutido esses erros. Eu disponibilizei-me a ajustar o
relatório, deveria ser do interesse de todas as partes, era um relatório
de referência para podermos negociar a seguir.
O
processo de ajustamento implicou medidas muito complicadas. Esta
exigência da troika sobre as rendas excessivas, em particular, não foi
cumprida, pelo menos na medida em que a troika pretendia. Porquê? O que é
que explica isto?
Explica-se
pela grande sensibilidade relativamente à preocupação financeira, de
equilíbrio e de resposta imediata, porque estávamos de facto em
bancarrota. Explica-se pelos conselhos de que o sr. primeiro-ministro e a
equipa das Finanças se rodearam quanto a este setor. Numa reunião, uma
reunião longa, cheguei a dizer "tenho um argumento político: é das
poucas medidas que o governo conseguirá apresentar, nos próximos tempos,
para aliviar a nossa economia e a população". A resposta do ministro
[Vítor] Gaspar foi "então se o argumento é político, a reunião acabou".
Também não percebo. Nunca percebi.
Cerca
de um ano depois da sua saída do governo, o ministro Álvaro Santos
Pereira disse isto, em entrevista à TSF: "Quando o meu anterior
secretário de estado da energia, o engenheiro Henrique Gomes, saiu, eu
tive um dos principais presidentes das produtoras de energia elétrica em
Portugal a telefonar para várias pessoas, a celebrar com champanhe". Vê
isto como isto um elogio?
Vejo, com certeza que sim.
Que imagem guarda hoje da sua passagem - que foi fugaz, nove meses - pelo governo?
Estou
muito grato por ter tido essa oportunidade, estou grato ao
primeiro-ministro [Pedro Passos Coelho], por quem tenho estima. Tive ao
meu alcance a possibilidade de fazer coisas interessantes. Outras não
foi possível, eu não ficaria lá mais tempo nenhum.
* SEM PALAVRAS
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