A Caixa é pública,
mas não é um centro de saúde
Por entre o espectáculo político montado à volta do fecho de balcões da Caixa Geral de Depósitos parece haver uma espécie de "consenso" da esquerda à direita - um consenso, bizarro, sobre o que significa ter um banco público.
Corre assim o raciocínio: um balcão da Caixa é um "serviço público de
banca" e, se não o prestar, a Caixa está a falhar a missão de banco
público. Ninguém expôs esta tese melhor do que João Almeida, deputado do
CDS: "Não faria sentido existir um banco público" se esta
responsabilidade de serviço público não fosse cumprida.
O
primeiro problema desta argumentação é que não há qualquer evidência de
que esta "responsabilidade", que ninguém detalha, esteja a ser
desrespeitada. A banca não é um serviço público típico. Se fechar o
tribunal, a repartição de Finanças ou o centro de saúde, não há opção.
Em vários concelhos, se fechar o balcão da Caixa há alternativas nos
privados. Dos 308 concelhos são 47 os que têm três ou menos agências
bancárias, segundo dados da Associação Portuguesa de Bancos, citados
pelo Observador. Não há concelhos sem banca - e até é provável que a
Caixa acabe por ficar em quase todos os concelhos.
Mas
a argumentação, repetida por todos, é abstrusa por outra razão: porque
faz depender a bondade de um banco público da sua "proximidade das
populações". Ora, não é esta a principal razão para engolirmos a
injecção líquida (já incluindo os dividendos pagos ao Estado) de quase
sete mil milhões de euros na Caixa desde 2000. A razão é a
nacionalidade. A Caixa deve ser pública porque essa é a única forma de
permanecer em mãos nacionais - de ser uma réstia de capacidade de
decisão de um país financeiramente frágil, com um sistema financeiro
vendido a espanhóis, chineses, angolanos e norte-americanos. Esta
autonomia interessa nos momentos difíceis: bancos cuja decisão de
crédito está no estrangeiro reduzem a exposição em recessões, ampliando
as dificuldades para a economia.
Se aceitarmos que esta é a
validade da Caixa pública, se percebermos que com 3.900 milhões de
euros de prejuízos acumulados o banco não está numa situação ideal e se
admitirmos que o contexto europeu (e, já agora, a decência perante os
contribuintes-accionistas) exige contrapartidas de reestruturação,
constatamos a racionalidade de cortar custos e fechar balcões que não
rendam. Isto é, de resto, o que a administração anterior da Caixa
começou a fazer: o silêncio com que os fechos dos últimos anos foram
acolhidos (só nos últimos dois a Caixa fechou 69 balcões) sugere que o
actual foguetório político cheira mais a ambiente pré-autárquicas do que
a qualquer concepção mal orientada sobre o que é e para que serve o
banco público.
P.S.: O Banco de Portugal e o Governo
ameaçam os obrigacionistas do Novo Banco com uma nova resolução caso não
aceitem a troca de obrigações que tem de gerar 500 milhões em capital
para o banco. Para já parece arma negocial contra a intransigência dos
investidores - é de assumir que, além do pau, os negociadores
portugueses estejam a mostrar alguma cenoura aos maiores, como a Pimco,
fulcrais para o sucesso da operação. Mas sobram perguntas sobre a
eficácia do "pau": estaria o Banco de Portugal (e o Governo) na
disposição de protagonizar a primeira resolução europeia de um banco de
transição por um valor inferior a 500 milhões? Seria essa resolução
limpinha do ponto de vista jurídico? Não foi ponderado o dano de tudo
isto para a imagem da banca portuguesa?
*Jornalista da revista Sábado
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
04/05/17
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